'Daddio - Uma Noite em Nova Iorque'. A gratificação dos estranhos
Em 2013 Steven Knight colocava Tom Hardy uma hora e meio sozinho a conduzir em Locke. O chamado tour-de-force. Antes em 2004, Michael Mann juntava também num automóvel Jamie Foxx e Tom Cruise no policial Colateral, mas aí havia desvios. Agora, temos Dakota Johnson e Sean Penn num táxi. A câmara não sai dali, aliás, o projeto que chegou a ser pensado para teatro levou alguns anos em desenvolvimento (antes de Dakota o produzir houve negociações para a estrela ser Daisy Ridley). O ano passado ficou pronto e estreou-se algo discretamente no Festival de Toronto, o TIFF. A boa surpresa é que mesmo sendo um filme de diálogos a sua realizadora, Christy Hall tem um cuidado visual singular - nunca se limita a filmar da mesma maneira o décor.
Do aeroporto JFK até Manhattan é a viagem desta passageira, uma mulher de 30 anos que está a chegar de uma viagem à casa da irmã. Entra ela e o taxista maduro parece haver um respeito e admiração mútua. De repente, surgem confissões. Falam da vida de um do outro, tecem considerações sobre relações, família e traumas de infância. Chegam mesmo a fazer uma competição de confissões, mas curiosamente não flirtam. A mulher está a trocar mensagens com o amante. Descobre-se depois que é um senhor mais velho, a quem ela chama de forma irónica de “paizinho”. Sobre o taxista, sabemos que é alguém magoado por um casamento estragado e que está a tentar ser fiel, apenas admitindo que às vezes não resiste a um ou outro momento de sexo oral com amantes. Sim, estes estranhos falam de sexo.
Daddio é, à sua maneira, uma espécie de altar do conforto dos estranhos. A sua mecânica de diálogos de palco tem uma coerência que dá legitimidade a esta abertura entre dois seres que sabem ouvir. E o que é particularmente bem gerido é o tom dos atores: Sean Penn e Dakota Johnson seguros e sem levantar as emoções em demasia. São eles o garante de uma viagem sem turbulência, apenas interrompida com pausas para “nudez” no telemóvel dele e para uma ida a uma “casa-de-banho” que não precisamos de ver. Há uma naturalismo na interação de ambos que compensa. Talvez seja mesmo a primeira vez que se percebe o peso dramático da filha de Don Johnson e Melanie Griffith, uma atriz que sabe projetar uma fragilidade que não estava em filmes como a saga As Cinquenta Sombras de Grey ou O Amigo de Sempre. E é igualmente uma pausa na mediocridade dos últimos papéis de Sean Penn, em especial Asphalt City, de Jean-Stéphane Sauvaire, que ainda irá chegar aos nossos ecrãs, e Flag Day - Dias Perdidos, realizado pelo próprio…
Outro dos méritos desta “bandeirada” é a forma como a montagem faz mil e um malabarismos para não cortar o ritmo, mesmo quando por vezes propõe pausas cirúrgicas e torna mais vital este ou aquele momento de diálogo. Digamos que Hall conseguiu mapear bem um argumento que pedia uma mise-en-scène segura dos seus timmings e tempos, coisas, já agora, bem diferentes…