Se faz sentido aplicar a palavra “estilo” para definir um festival de cinema, então o Curtas Vila do Conde é um dos eventos do nosso panorama cinematográfico que continua a justificá-la. A sua 33ª edição — a partir de amanhã, até domingo, dia 20 — retoma e reforça um princípio de programação presente desde os primeiros anos. A saber: dar a ver filmes intrinsecamente ligados às convulsões do nosso presente.Em 2024, os 50 anos do 25 de Abril ocuparam o centro de tal opção. Agora, e de acordo com o texto oficial de apresentação, a preocupação de “olhar para o estado do mundo em que vivemos” começa por se refletir no espaço da galeria Solar, através de uma exposição dedicada à tragédia de Gaza, intitulada What pain does film cure? (“Que dor cura o cinema?”), da artista iraniana Maryam Tafakory. Numa secção de “carta branca”, Tafakory apresentará uma seleção de filmes que inclui I Signed a Petition, de Mahdi Fleifel, cineasta palestiniano que cresceu num campo de refugiados no Líbano — Fleifel será também um dos nomes em destaque no programa “In Focus”.Se é verdade que o formato curto continua a ser o elemento nuclear na organização do certame, não é menos verdade que o festival de Vila do Conde não desiste de explorar “derivações”, não apenas com outros formatos (incluindo os vídeos musicais), mas também através de diferentes expressões artísticas. . Assim, os concertos voltam a estar em evidência. Amanhã, ao fim da noite, no Teatro Municipal de Vila do Conde, Lee Ranaldo é o nome em cartaz. Membro fundador dos Sonic Youth, guitarrista e compositor, Ranaldo irá musicar, ao vivo, o filme Quick Billy (1971), de Bruce Baillie, símbolo de uma certa vanguarda made in USA. Com ou sem ironia, de vanguarda se poderá também falar, neste caso apelando a uma sofisticada nostalgia clássica, a propósito da retrospetiva dedicada a outro americano, Whit Stillman, autor de títulos emblemáticos da produção independente como Metropolitan (1989) e Barcelona (1994).Na secção “New Voices”, Maureen Fazendeiro, ligada à obra recente de Miguel Gomes (com quem correalizou Diários de Otsoga, 2021), estará em destaque com títulos de sua autoria, incluindo Les Habitants (2025), recentemente revelado, em Paris, no “Cinéma du Réel”. Entretanto, os “novos” e os “velhos” coexistem, tanto na competição nacional como internacional. No setor português, estará presente Arguments in Favor of Love, desconcertante e arrojada animação de Gabriel Abrantes (que, em maio, integrou a programação de Cannes). Entre os veteranos, lembremos o ucraniano Sergei Loznitsa e o italiano Marco Bellocchio. Em apenas 12 minutos de puro cinema, o primeiro remete-nos para a atualidade da Ucrânia, conseguindo a proeza, de uma só vez estética e política, de acompanhar a visita de uma turma ao Museu de História Natural de Kiev em paralelo com a ameaça dos bombardeamentos russos — chama-se Paleontology Lesson. . Os últimos filmesA mais insólita proposta do Curtas deste ano (e, por certo, também uma das mais motivadoras) surge na secção “Cinema revisitado”, com a designação “The Last Film”... E é isso mesmo que tem para oferecer. Ou seja: o derradeiro trabalho de alguns cineastas de referência. Como se recorda no programa oficial: “Por razões muito diversas, os últimos filmes de realizadores como Douglas Sirk, Michael Powell, Manoel de Oliveira, Jean-Luc Godard ou Roberto Rossellini são curtas-metragens.”Por vezes, são filmes que traduzem algum tipo de reencontro. Será o caso de O Velho do Restelo (2014), em que Oliveira revisita os seus próprios fantasmas literários, incluindo Luís de Camões (Luís Miguel Cintra) e a personagem de Dom Quixote (Ricardo Trêpa), ou ainda The Railrodder (1965), um périplo canadiano de Buster Keaton que não pode deixar de evocar a sua obra-prima The General (1926). Outras vezes, como acontece em Lo Sguardo di Michelangelo (2004), de Michelangelo Antonioni, impõe-se uma lógica de verdadeiro testamento: Antonioni filma-se a si próprio na Basílica de São Pedro, em Roma, contemplando a estátua de Moisés, de Miguel Ângelo (concluída em 1515) — em formato curto ou longo, prevalece, por isso, o poder espiritual do cinema..Para Spielberg, “não foi nada divertido” filmar ‘Tubarão’.'Superman'. Tempos difíceis para os super-heróis