Curtas Vila do Conde: a esmagadora vitória do cinema português!
Não foi a primeira vez mas é sempre de salutar a vitória de um filme português na competição internacional deste festival. Ainda para mais um filme que o júri vincou explicitamente ser um caso de amor, That’s How I Love You, do minhoto Mário Macedo. “Para um filme que se constrói a partir de uma aproximação subtil e inteligente a uma criança e ao seu ambiente, construindo tensão num mundo onde a ternura e a crueldade podem coexistir, permitindo-nos tempo para perceber o crescimento e como o amor emana. É um filme lúdico que nos trouxe alegria e que permanecerá connosco e com o público com quem partilhámos a sessão, o júri não teve dúvidas em entregar o Grande Prémio a Mário Macedo. É assim que adoramos um filme!”, disseram no discurso os jurados.
Sem dúvidas, então. O filme é de facto muito válido: um conto que nos coloca entre neto a ouvir histórias cruéis da avó e lições de fumo e caça do avô numa Croácia rural. Sofre um pouco da moda de colocar uma criança “fofa” e carismática a criar empatia, mas tem os tempos certos de construção dramática. Macedo revela ser um cineasta que sabe ver o mundo e partilhar as memórias do lugar da infância. Venceu ainda o importante prémio da vaga à nomeação de melhor curta nos prémios da Academia de Cinema Europeu.
Na competição nacional a escolha recaiu também para uma cineasta portuguesa a filmar no estrangeiro, neste caso em Belo Horizonte. Chama-se Rinha, de Rita M. Pestana e o júri terá ficado seduzido pelos “planos rigorosos e orgânicos - bonitos e tangíveis”. Dir-se-ia que é das mais bonitas obras de estreia vistas em Vila do Conde em muitos anos. Uma história sobre uma mulher a descobrir a sua identidade num processo de crise entre o pai, um condutor de táxi alcoólico, distante dela. Uma balada lúcida sobre as grandes decisões da vida e os pontos de viragem íntimos. Daqueles filmes que ficam mesmo em nós. Muita atenção a esta cineasta, alguém com caminho já bem estabelecido na montagem.
A caça de Pinheiro Vicente
Num ano muito português, de aplaudir também Os Caçadores, de David Pinheiro Vicente, cineasta apoiado por Cannes e já produzido pela O Som e a Fúria. Venceu o prémio de realização com um filme quase a pedir a passagem à longa (tem 30 minutos), uma farsa algo erótica sobre uma tragédia numa casa de famílias “bem” algures nos anos 1970 numa mansão nobre. Atores no ponto, em especial Miguel Amorim e Vera Moura, soluções visuais de extremo bom gosto e um humor de risco sem nunca cair na “blague” pedante. Eis um bom exemplo de apropriação pós-moderna de uma ideia de cinema português clássico.
O sempre esperado prémio de público foi para uma animação, o excelente Percebes, de Laura Ramires e Alexandra Gonçalves, outro filme produzido a norte e que nos narra com movimento documental o trabalho da apanha de percebes no Algarve. Desenhos prodigiosos num objeto radioso que enche o espectador de sorrisos e felicidade! Já tinha vencido a competição de Annecy e pode estar na calha para uma campanha para o Óscar de melhor animação, assim haja investimento…
Na secção do novos cineastas portugueses, o Take One, venceu Slimane, de Carlos Pereira, um olhar sobre a situação de repressão da comunidade queer na Alemanha de hoje. Foi dos melhores filmes no IndieLisboa e revela um cineasta capaz de acionar explosões emocionais com uma fortíssima contenção dentro do “slow cinema” mais convencional. Não deixa de ser um bom ensaio sobre dor.