'CTRL'. Um melodrama em formato digital
Perante um filme como CTRL, produção indiana esta semana chegada à Netflix, podemos e devemos reavaliar alguns parâmetros com que vamos descrevendo o estado das coisas cinematográficas. Contra muitos preconceitos, importa reconhecer um dado insólito: nos tempos que correm, a produção da Netflix vai acolhendo projetos genuinamente experimentais. Entenda-se: o rótulo “experimental” não é uma caução intocável, não arrasta qualquer juízo de valor automático para dizer que um filme é ”bom” ou “mau”. Acontece que a organização, porventura a desorganização, de uma plataforma como a Netflix permite que nasçam obras bizarras (experimentais, justamente) que dificilmente seriam apoiadas por um estúdio tradicional.
Assim acontece com o desconcertante CTRL, realizado por Vikramaditya Motwane (nascido em Mumbai, em 1976). O título faz-se com as letras da tecla dos computadores que indica uma ação de controle (por vezes, por extenso na grafia inglesa: “control”). E é disso que se trata: como controlamos, ou descontrolamos, a nossa presença na Internet.
As premissas de CTRL podiam ser matéria rotineira de uma telenovela: Nella (Ananya Panday) e Joe (Vihaam Samat) são jovens a viver um romance colorido em que, precisamente, tudo parece controlado; tornam-se vedetas “sociais” com o estatuto de “influenciadores”, ganham bom dinheiro com isso e triunfam como modelo da felicidade digital… até que ela descobre o namorado a beijar outra mulher…
Ora, um filme não é a sua sinopse, mas sim o tratamento de acontecimentos específicos que, eventualmente, satisfazem a noção de “contar uma história”. Num prodigioso exercício visual (e sonoro), Motwane decide abordar de modo literal o facto de Nella e Joe serem produtos diretos, ilusoriamente felizes, de um mundo em que tudo acontece através de mensagens virtuais. Consequência narrativa: CTRL é, no essencial, um filme que se faz da vertigem dos ecrãs - caixas de correio digital, conversas através do computador, vídeos enviados e vídeos recebidos, múltiplas pesquisas em espaços virtuais, criação de novas palavras-passe, etc. -, como se estes vulneráveis heróis tivessem perdido qualquer relação com a carne e o espírito de que, salvo melhor opinião, se fazem os seres humanos.
A meio do filme, Nella é confrontada com uma misteriosa convulsão na vida de Joe, introduzindo em CTRL uma questão de todos os dias, desta vez tratada com inesperado “suspense” emocional: será que Nella está a ser alvo de manipulações comandadas por uma poderosa corporação digital? Motwane mantém a serenidade narrativa que lhe permite encenar personagens comuns, próximas do conhecimento e da sensibilidade do espectador - sem pretensões de fazer tese, tão só reconvertendo as regras clássicas do melodrama em tragédia digital.