Em 1964 um grupo de cerca de 60 estudantes universitários franceses foram ver a revolução cubana de perto, numa iniciativa organizada pela União dos Estudantes Comunistas (UEC). Nesse grupo estavam Una Liutkus, estudante de Ciência Política, as irmãs Evelyne e Marie France Pisier (que se tornaria uma atriz famosa), e Jean-Pierre Osenda. Chegaram a Santiago de Cuba no dia 26 de julho e decorria um comício comemorativo do dia do assalto ao quartel Moncada, com a presença de Fidel Castro, Raul Castro, Che Guevera e outras altas figuras da revolução. Una levava uma máquina Voigtländer e não desperdiçou a oportunidade de registar o acontecimento. . A primeira fotografia que tirou quando chegou ao local foi de Evelyne, de vestido verde, entre cartazes grandes com os rostos pintados de Fidel Castro e Lenine. Mal sabia ele que por causa de Evelyne viria a conviver com o líder cubano nos dias seguintes. “Oito horas depois ela [Evelyne] estava nos braços de Fidel”, conta o próprio Una Liutkus ao DN. O francês de origem lituana tinha 24 anos naquela altura. Agora, já octogenário, conta a história de como veio a tirar as fotografias expostas no Bartô (bar do Chapitô), no coração de Lisboa, na mostra Entre a Revolução e o Mar - Um recorte de Cuba de Agosto de 1964. . Fidel Castro fez um longo discurso no comício e “eu penso que ele a viu”, diz, explicando que depois foram para o hotel onde estavam instalados os estudantes franceses e, “de repente, a porta abre-se e surge Fidel. Diz que vem ver o primeiro grupo de estudantes franceses em Cuba. Mas eu penso que ele veio por causa de Evelyne, a loura”. Fidel vai-se embora e estavam os quatro amigos sentados à mesa, Una, Evelyne, Marie France Pisier e Jean-Pierre Osenda, quando “um soldado se aproximou, baixou-se, e perguntou-me se eu falava espanhol. Digo que sim, e ele diz que o comandante tem tempo para falar connosco, só nós os quatro. E que temos que dizer aos outros que nos vamos deitar e, à meia-noite, um carro viria buscar-nos”, recorda Una Liutkus. . E assim aconteceu. À hora programada chegaram “quatro ou cinco Buicks negros” que os levaram a um hotel fora da cidade, em Sierra Maestra, onde Fidel costumava ficar. Chegaram, ofereceram-lhes cerveja, rum, e passado algum tempo Una pergunta por Fidel: “O Fidel está no duche”, dizem-lhe. Passados dez minutos ele desce as escadas. “Passámos a noite a falar de Brigitte Bardot, da Tour de France, do General de Gaulle..”Já de manhã, Fidel despede-se, eles são encaminhados para os carros que os transportam de volta ao sítio onde estão alojados os estudantes, mas faltava uma pessoa: “Ao meio dia a Evelyne regressa e conta-me tudo”, recorda Una Liutkus. O caso amoroso entre a francesa e Fidel continuaria nos dias seguintes: “Muitas vezes Fidel enviava alguém buscá-la.”Mais para o final desta viagem de duas semanas, foram convidados por Fidel para um passeio de barco em Varadero. Una continuou a fotografar expondo a intimidade entretanto criada entre Fidel e Evelyne. . Nunca ninguém lhe pediu para ver as fotografias e, no regresso a França, imprimiu as imagens para dar aos amigos e guardou os negativos durante décadas. Até que um escândalo envolvendo a família de Evelyne Pisier (que após quatro anos de romance com Fidel viria a casar-se com Bernard Kouchner e depois com Olivier Duhamel) o levaria a tirá-los da gaveta. Una Liutkus tirou cerca de 200 fotografias a preto e branco e 80 a cores dos dias em que esteve em Cuba, nesse verão de 1964, retratando não apenas as figuras do regime, como também a população e o ambiente em Havana naqueles primeiros tempos da revolução cubana. No Bartô estão reproduções de apenas 13, que podem vir a ser substituídas por outras.A primeira exposição pública destas imagens aconteceu em Arles, em 2022, e depois em Nimes, Genebra, Bruxelas e Lituânia. A mostra em Lisboa acontece por iniciativa da Galerie 62 e Casa Caus. . Una, que exibe no bolso da camisa um charuto, conta que voltaria a Cuba para trabalhar na área agrícola e casaria com uma cubana que se tornou uma atriz conhecida (Mirta Ibarra). Regressaria depois a França onde criou o operador turístico Havanatour. Cruzou-se com Fidel Castro em várias ocasiões, incluindo numa conferência de agentes de viagens, onde aproveitou para lhe entregar em mãos um livro escrito por Evelyne Pisier, que ela lhe dedicou. Una mostra uma fotografia do momento em que entrega a obra a Fidel, e explica que ela apareceu-lhe debaixo da porta do seu quarto hotel. Ainda hoje a guarda..‘O Senhor Paul’: resistir ao progresso sem sair do sofá .Está de volta o festival que apresenta o cinema árabe aos portugueses