'Comandante', ou o caso de um realizador demasiado fascinado pelos rituais militares.
'Comandante', ou o caso de um realizador demasiado fascinado pelos rituais militares.

'Comandante' - Num submarino até aos Açores

'Comandante', de Edoardo De Angelis, tem Pierfrancesco Favino a emoldurar um episódio da Segunda Guerra entre dois submarinos, um italiano e outro belga. Um filme de guerra pacifista que não deslustra mas não arrebata.
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À falta de Challengers, de Luca Guadagnino (retirado por ordem da Warner em virtude da greve dos atores o ano passado), Veneza 2023 abriu com um filme italianíssimo, ou seja, uma confirmação de uma certa indústria local, capaz de produzir obras que apelam a uma ideia de “grande público”, mesmo tendo assinatura de autores.

Comandante narra uma história verdadeira sobre um acontecimento da Segunda Guerra Mundial esquecido, o relato de uma ação militar de um submarino italiano chamado Cappellini, lançado no Atlântico em 1940. O seu comandante, Salvatore Todaro é um patriota feroz. Justo e duro, sabe que mais tarde ou mais cedo irá morrer no mar mas tem a ética de um líder e mesmo numa missão quase suicida entre navios, submarinos e aviação britânico, não vacila em disparar contra os inimigos. Quando enfrenta uma embarcação belga (na altura com estatuto neutro) consegue que o seu submarino fique intacto perante um inesperado ataque. Com a sua perícia, os italianos lançam fogo aos belgas e o submarino “inimigo” fica prestes a afundar, mas face à agonia dos sobreviventes toma uma decisão: recolhe os homens no seu submarino e promete deixá-los em Santa Maria, nos Açores, o porto seguro mais próximo. Trata-se de uma decisão que fica na História, não só por ser contra as regras militares em tempos de guerra mas porque foi tomada contra vontade do seu sub-comandante, mesmo tendo em conta que a lei marítima prevê isso. Para Todaro, salvar uma vida era salvar a humanidade. Comandante funciona como homenagem a esse ato de humanismo de um herói italiano que justificou a ajuda aos belgas como uma única frase: “porque somos italianos!”. Frase essa que muitos no Festival de Veneza começaram a aludir ao novo nacionalismo transalpino... O realizador, Edoardo De Angelis e o seu argumentista, o famoso escritor Sandro Veronesi, logo na primeira legenda na altura do genérico, remetem para um caso semelhante recentemente ocorrido na invasão da Rússia à Ucrânia.

Comandante é um projeto que só existe para nos fazer refletir sobre a ética do combate nestes dias de guerra. Filme com o vírus da “boa vontade”, é verdade, mas executado com uma eficácia cinematográfica que, consoante a lógica do copo meio cheio ou meio vazio, é uma demonstração desse tal bem fazer da indústria italiana. Seguramente por isso foi adquirido e em parte financiado pelos americanos: a Paramount + exibirá o filme em streaming... E não faltaram meios para o fazer à antiga, com todas as condições, parte na região de Puglia, parte nos míticos estúdios da Cinnecità. Exatamente por isso, sente-se o interior abafado do submarino, o peso das explosões, o impacto da água. Dir-se-ia que é um bálsamo nestes dias. A par disso, é também um filme que sabe tirar partido de todo o carisma do seu ator protagonista, Pierfrancesco Favino, um dos novos príncipes do cinema italiano. É pelo seu olhar e voz brusca que aqui somos comandados. Pena somente pressentir-se que temos um realizador algo enamorado pelo cerimonial bélico da coisa.

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