Song Kang-ho em modo "realizador à toa".
Song Kang-ho em modo "realizador à toa".

Cobweb - Nada em lado nenhum ao mesmo tempo 

'Cobweb – A Teia' parece um filme feito para pôr o espectador a gritar dentro da sua cabeça: “Tirem-me deste set de rodagem!”. E era suposto ter graça. Infelizmente, o sul-coreano Kim Jee-woon não marca pontos em diversão... 
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Kim Jee-woon é um notável experimentador de géneros, e ao longo da sua carreira de mais de duas décadas tem insistido em não se repetir, o que basicamente significa saltar de género em género, entre épocas e motivos, para dar azo a demonstrações de estilo e método quase sempre bem-sucedidas. Ora, desta vez não resultou. De todo. Cobweb – A Teia, apresentado como uma farsa em torno de um realizador à procura da sua obra-prima, é, na melhor das hipóteses, um rascunho que se executou sem tempo de revisão. Uma amálgama de detalhes e situações montadas à pressa, que não produzem grande sentido, nem acrescentam nada à tradição do “filme dentro do filme”. 

Protagonizado pelo ator que se tornou o rosto mais familiar do cinema sul-coreano, Song Kang-ho, Cobweb começa por entrar no universo mental da personagem do dito realizador, chamado Kim (pois claro), que acredita ter a chave para a sua obra de mestre: está convencido de que é preciso mudar a sequência final do seu último filme, e para isso bastam dois dias de rodagem que farão dele uma lenda... Isto sem esquecer que estamos nos anos 1970 e a censura coreana não gosta que se mexa no que já está feito e aprovado. 

Com este cenário de circunstância, que vai pôr muita gente a circular dentro de um estúdio, o realizador de Doce Tortura cria uma diversidade de subtramas que, supostamente, deveria enriquecer a visão do caos no local de trabalho. Só que não. Não nos interessa os louvores ou divergências criativas de uma equipa, a ginástica para contornar a presença das autoridades no set, a vaidade dos atores, os dramas pessoais e as gravidezes escondidas. Nada disto adere à noção de boa escrita ou sequer a um princípio de que o caos, para ser cinematográfico, tem de corresponder a alguma forma de consistência. Não basta alternar sonhos, imagens a preto e branco (do thriller que está a ser rodado) e a confusão colorida dos bastidores para que o processo de criação, visto pelas lentes do stress e do humor, ganhe razão de ser. 

A certa altura, vem à lembrança Ed Wood (1994), esse sim um belíssimo filme de Tim Burton que lida de forma terna com a falta de talento do realizador no centro da história (interpretado por um jovem Johnny Depp). E mais uma vez, o mesmo não se pode dizer de Kim Jee-woon. Não há aqui nenhuma preocupação em ter uma personagem com características distintas, particulares – é mais do que suficiente, para a estranha falta de exigência de Cobweb, a versão genérica de um realizador que se perde de vista no meio da extravagância mal tecida. 

Curiosamente, sendo um filme sobre a rodagem de um final, é difícil chegar ao término de Cobweb com uma restiazinha de ânimo. É tudo tão cansativo, estridente, vazio, votado ao esquecimento e nulo, em termos de comédia, que fica a pairar a nota intrigante sobre o que terá levado um realizador coreano habitualmente tão seguro a incorrer num exercício tão frívolo. Uma brincadeira autoindulgente? Melhores dias virão. Por agora, tirem-me deste filme... 

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