Cinema brasileiro desmonta a "luta de classes"
As chamadas distribuidoras independentes continuam a colocar no mercado das salas escuras filmes que, para lá do seu valor específico, cumprem uma função tradicional que, apesar disso (em boa verdade: por causa disso mesmo), importa sublinhar: trata-se de dar a conhecer exemplos das mais diversas cinematografias, nem sempre das mais favorecidas pelas estratégias dominantes na distribuição e exibição.
No caso da Nitrato Filmes (que programa o cinema Trindade, no Porto), a aposta na produção brasileira continua a ser fundamental. Esta semana surge Casa Grande, de Felipe Barbosa, título algo "atrasado" - foi lançado em 2014, tendo arrebatado o prémio do público no Festival do Rio de Janeiro desse ano -, mas que vale a pena descobrir.
As qualidades de Casa Grande podem definir-se a partir das matrizes da telenovela, poderosíssimas, como bem sabemos, no plano cultural e financeiro. Estamos, de facto, perante uma intriga mais ou menos "novelesca" - uma família rica do Rio de Janeiro marcada por agudas clivagens geracionais e também pelas dívidas contraídas pelo pai -, embora tratada com outro empenho dramático e, sobretudo, valorizando o trabalho específico dos atores.
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As personagens nucleares são o pai (Marcello Novaes), cada vez mais assombrado pelos problemas financeiros, e o filho (Thales Cavalcanti), enredado numa teia familiar e afetiva em que o desafio da autoridade paterna se cruza com a descoberta da sexualidade. É bem certo que, por vezes, tudo isso se apresenta algo codificado e "demonstrativo", como se o filme se limitasse a ilustrar um destino definido desde as primeiras sequências. Seja como for, Casa Grande consegue expor as tensões entre as suas personagens, pontuando a ação com muitos detalhes sugestivos sobre a "luta de classes" em que estão inseridas.
Nesta perspetiva, poderá dizer-se que o trabalho de Felipe Barbosa não é estranho a toda uma herança narrativa e ética que provém dos tempos heróicos do Cinema Novo brasileiro - penso, em particular, nesse título emblemático que é A Grande Cidade (1966), de Carlos Diegues. Os resultados serão incertos e desequilibrados, mas refletem a riqueza e complexidade de uma fundamental genealogia artística.
* * Com interesse