Cinco histórias no feminino para apanhar nos canais TVCine
AMONITE, de Francis Lee
É uma das pérolas entre os inéditos. Amonite junta Kate Winslet e Saoirse Ronan à beira-mar, primeiro, numa sucessão de troca de olhares com poucos diálogos, depois, numa fogosa paixão vivida em segredo. Lembra-nos O Piano, de Jane Campion, e, sobretudo, o Retrato de Uma Rapariga em Chamas, da francesa Céline Sciamma. Winslet é Mary Anning (1799-1847), uma paleontóloga pioneira do século XIX, que se dedicou à exploração de fósseis. Ronan é Charlotte Murchison, a mulher de um geólogo que, segundo ele, sofre de "ligeira melancolia". Numa viagem a Lyme Regis, a cidade costeira inglesa onde Mary Anning vive com a mãe, o casal Murchison acaba por invadir o seu quotidiano pacato e cinzento, feito de manhãs na praia em busca de exemplares do molusco fóssil com concha em forma de espiral que dá título ao filme. O seu ganha-pão é a pequena loja Fósseis e Curiosidades, onde vende aos turistas algumas das pequenas relíquias que encontra. Quando o investigador decide pagar a Anning para que ela fique com a sua esposa durante umas semanas, a fim de curar a tal melancolia com caminhadas matinais expostas à aragem marítima, está a oferecer, sem que o saiba, a oportunidade de ambas as mulheres se libertarem da intimidade fossilizada em que se tornou as suas vidas...
Apesar de Mary Anning e Charlotte Murchison serem figuras verídicas, o que Francis Lee escreveu e filmou com subtileza não assenta numa verdade histórica comprovada. É tão-só um delírio romântico e carnal que põe duas atrizes a experimentar os limites da pele num delicado conto erótico - como se se espreitasse pela fechadura a sexualidade em plena época vitoriana. Amonite já está em exibição no TVCine Top.
KAJILLIONAIRE, de Miranda July
Da realizadora de Eu, Tu e Todos os que Conhecemos, chega-nos um filme de assalto em forma de comédia sobre uma família disfuncional. É verdade que Kajillionaire passou em sala na última edição do Lisbon & Sintra Film Festival, mas não chegou a estrear no circuito comercial. Neste regresso de Miranda July, uma das autoras mais originais no panorama do cinema independente americano, reencontra-se aquilo que tem marcado o seu universo idiossincrático: um humor pouco convencional que encobre algo mais profundo. No epicentro desta história está Old Dolio (excelente Evan Rachel Wood), uma jovem de vinte e poucos anos, filha única de um casal de vigaristas (Richard Jenkins e Debra Winger) que toda a vida a treinaram no ofício dos pequenos roubos, sem considerarem que talvez ela possa sentir falta de uma ou outra demonstração de afeto entre os golpes do dia-a-dia.
O desbloqueio emocional desta figura de aparência desajeitada vem com a entrada em cena de outra jovem ultracomunicativa (Gina Rodriguez), que agora faz parte do esquema criminoso e "desestabiliza" o método de Old Dolio... Miranda reserva uma bonita surpresa através dessa personagem exterior ao núcleo familiar. E o que começa por ser o retrato excêntrico de pais desmazelados e exploradores, converte-se, aos poucos, numa comovente crónica de emancipação. Kajillionaire também já está em exibição no TVCine Top, e ficará depois disponível no serviço de vídeo on-demand TVCine+.
PLANO DE FUGA, de Azazel Jacobs
Outro regresso assinalável é o de Michelle Pfeiffer, em Plano de Fuga (no original, French Exit). A atriz que nos últimos anos se tem entretido com pequenos papéis assume aqui a pele de uma socialite viúva de Manhattan, Frances Price, a quem já não restam muitos tostões para gastar da herança do marido. Vamos encontrá-la cheia de maneirismos, mas com classe, a receber a notícia da sua tragédia financeira: o tom não é exatamente dramático. A solução do momento, para escapar às más-línguas da elite nova-iorquina, é vender os bens que lhe restam e ir viver para Paris com o filho (Lucas Hedges) e um gato - que se revela mais do que um animal doméstico - num apartamento emprestado pela sua melhor amiga. Qual é o plano? Gastar as últimas economias e morrer.
Sendo a adaptação de um romance de Patrick DeWitt, com argumento do próprio, French Exit alcança notas de comédia negra que, por exemplo, nas mãos de um Wes Anderson poderiam encontrar a exigida precisão tonal. Realizado por Azazel Jacobs, o filme preguiça nos detalhes e fica-se pela rama em coisas tão essenciais como o laço entre mãe e filho. Em vez do "teremos sempre Paris", diga-se, no caso de Plano de Fuga, que "teremos sempre Michelle Pfeiffer", com um ennui existencial, um desprazer burguês que leva o filme às costas. Estreia no dia 18, às 21h30, no TVCine Top.
A PRESENÇA, de Natalie Erika James
O envelhecimento e o abandono parecem temas exclusivos do registo dramático, mas nesta primeira longa-metragem de Natalie Erika James o que se demonstra é que talvez o género mais adequado para os tratar seja o terror. Relic/A Presença reúne três gerações, três mulheres no interior de uma casa "assombrada" que será sinónimo de mais do que isso. O desaparecimento súbito de uma senhora idosa (Robyn Nevin) leva a filha (Emily Mortimer) e a neta (Bella Heathcote) a essa casa que, desde logo, imprime uma estranha sensação nas residentes temporárias. Quando a matriarca regressa, sem dar explicações a ninguém sobre o sucedido, a observação do seu comportamento, em sintonia com os barulhos enigmáticos atrás das paredes, vai-se transformando numa alegoria que baralha o jogo de perceção. Quer dizer, aquilo que seria do domínio da mente assume a forma física do medo.
Por vezes, o filme cede a alguns clichés do terror - que se pode defender enquanto expressão clássica do género -, mas é na sua total perspetiva feminina que A Presença funciona como uma experiência sensível e reflexiva. Estreia no dia 19, às 21h30, e fica disponível no TVCine+.
URSO NEGRO, de Lawrence Michael Levine
O mais fora da caixa destes inéditos, Urso Negro apresenta uma realizadora (Aubrey Plaza) em retiro rural, a precisar de carregar as baterias da criatividade. Vemo-la a ser recebida por um jovem casal numa casa à beira de um lago, mais tarde sentada a meditar em frente a esse lago, vestida com um maiô vermelho (uma imagem que se repete), e na primeira refeição juntos a conversa, que começa no feminismo e acaba numa cena de ciúmes, dá lugar a uma espécie de metaficção. Na verdade, estamos perante um filme em dois atos, que importa não revelar demasiado, porque a sua bem-sucedida estranheza beneficia o inesperado da segunda parte, que leva a atriz Aubrey Plaza àquele ponto performativo digno de Gena Rowlands em Noite de Estreia. É já considerado o melhor papel da carreira de Plaza, e quem se atrever a pôr os olhos nesta vertiginosa comédia dramática de Lawrence Michael Levine perceberá porquê.
Urso Negro é cinema independente na sua natureza mais livre e indefinível, que desconstrói o ângulo a todo o momento. Vale mesmo a pena apanhá-lo no dia 23, às 21h30, ou, posteriormente, no TVCine+.
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