Chegou o melhor Tom Hanks dos últimos anos
Quem é, afinal, Mr. Rogers, Fred Rogers? Na América é apenas um dos nomes mais amados da televisão americana, um apresentador de programas infantis que é visto por muitas gerações como um dos maiores comunicadores do audiovisual. Em Portugal ninguém o conhece e, talvez por isso, este filme que investiga o seu segredo de ser tão bem-amado não tenha tido luz verde para estreia na sala, em especial na altura em que estava no engarrafamento dos títulos nomeados ao Óscar - foi nomeado para melhor ator secundário, Tom Hanks (batota da Sony, Hanks é protagonista mas teria mais hipóteses na categoria secundária num ano em que Joaquin Phoenix e Adam Driver eram demasiado favoritos na principal), precisamente Mr.Rogers, composição de mimetismo espantoso.
Baseado num artigo de capa da Esquire, esta é também a confissão de um jornalista que ficou tocado pela onda positiva do sr. Rogers. O filme é basicamente o encontro entre um jornalista cínico e um homem bom. Um jornalista que quer fazer mais do que um mero artigo elogioso mas nada encontra de "deformador" no carácter do objeto do seu perfil. O "Vasco Granja" dos EUA é alguém cujo olhar terno e atento sobre o mistério da infância atinge uma autenticidade à prova de qualquer condicionante. Mas no confronto entre o jornalista de investigação surge uma forma de interrogar o lugar da imprensa. Marielle Heller, que já no anterior Memórias de uma Falsificadora Literária (2018) mostrava ser um dos nomes mais estimulantes do cinema narrativo americano, é particularmente feliz na forma como capta a beleza e a essência da arte de contar histórias no jornalismo. Uma beleza sempre perto de um imaginário de infância, capaz de aniquilar o cinismo das opiniões públicas e das tendências do consumismo. Um Amigo Extraordinário está também inundado de amor e do poder do silêncio na grande narrativa clássica americana, nunca descurando a sua própria vocação: ser um tratado sobre o cinismo desta América.
Filme do bem e para o bem, Um Amigo Extraordinário sabe jogar com os tempos do silêncio, tal como acontece nas fábulas de Charlie Kaufman. Marielle Heller evita todos os contornos de "biografia" meramente informativa. Claro que ficamos fãs do senhor Roger, embora a primazia seja mostrar que no âmago de uma história de jornalismo tenha de haver alma. Aí, estamos perante uma enormíssima homenagem ao jornalismo de rigor americano, mais do que a homenagem ao ídolo televisivo.
E se por um lado há um Tom Hanks finalmente a compor uma personagem, do outro há um Matthew Rhys mergulhado em trauma na pele do jornalista que tem problemas em entender a cumplicidade entre o sr. Rogers e o mundo infantil. De certa forma, o pêndulo dramático do filme está na intensa descida à própria ausência da figura paternal do jornalista. Ainda assim, o humor seco acaba por ser o tom predominante desta história verdadeira. No fim, saímos embalados numa espécie de terapia emocional. Marielle Heller, através de um símbolo lendário do passado, reencena uma pureza celebratória de uma América inexistente.
**** Muito bom