‘Cascais Ópera’: o concurso que abre portas mesmo para quem não vence
De todo mundo chegam a Cascais cantores líricos para o Cascais Ópera. O Concurso Internacional de Canto está de volta para uma nova edição em Portugal, depois da sua primeira edição no ano passado.
A ideia para o concurso surgiu de um convite do cantor russo Sergei Leiferkus, amigo do pianista Adriano Jordão. “Um dia o Adriano disse-me: Alexandra, vamos a casa de um grande barítono que está a viver em Portugal, que tem uma proposta para nos fazer”, relembra Alexandra Maurício, diretora do Cascais Ópera, em conversa com o DN.
Adriano Jordão acrescenta que Sergei Leiferkus já tinha mencionado um concurso de Ópera na Noruega. “O concurso era de um nível altíssimo, mas ele disse que estava muita chuva na altura. Quando chegou a Cascais, viu um tempo esplendoroso e disse-me ‘porque não fazer um concurso aqui? A ideia para este concurso surgiu aí”.
Este ano o concurso contou com 340 inscrições provenientes de 49 países. Numa primeira fase, foram escolhidos 44 candidatos de 19 países. Portugal lidera a lista com sete selecionados, seguido pela Coreia do Sul com seis, Rússia com cinco e China com quatro.
“Confesso que nunca me passou pela cabeça no começo que o concurso crescesse como cresceu. Foi uma enorme surpresa. No primeiro ano, fizemos internamente apostas de quantos seriam os concorrentes. Lembro-me que me achei muito generoso e disse 80. No entanto, foram mais de 200”, menciona Adriano Jordão.
O júri que irá avaliar os concorrentes conta com nomes como Sergei Leiferkus, Anna Samuil, Antonio Pirolli , Eline de Kat, Ivan van Kalmthout, Juliane Banse, Jennifer Larmore e Pal Moe.
Adriano Jordão e Alexandra Maurício explicam que este projeto abre portas a muitos dos seus participantes. “Por exemplo, uma das cantoras da nova ópera do Teatro de São Carlos, Jenůfa, participou neste concurso. Nem sequer foi à final e ficou pela semifinal, mas um dos membros do júri ouviu-a e chamou-a para o papel. Foi ouvida pela pessoa certa no dia certo”, disse o pianista, acrescentando que os júris quando gostam de um concorrente “ficam com aquela voz e um dia mais tarde vão chamar essa pessoa”.
Os fundadores mencionam ainda que este concurso é uma oportunidade para os jovens artistas que queiram ser ouvidos por determinado público. “Nós temos no júri deste ano o diretor do mais sofisticado festival de música de ópera do mundo, que é o Festival de Glyndebourne em Inglaterra, Pal Moe. Ele vai estar cá fisicamente a ouvir os concorrentes e este festival pode ajudar um jovem que queira ser ouvido por ele”, menciona Adriano Jordão.
O Centro Cultural de Cascais irá receber os candidatos de 23 a 30 de abril para as provas eliminatórias. Durante estes dias, estão programadas também masterclasses gratuitas para candidatos que não passaram à fase seguinte do concurso. As masterclasses estão divididas em duas categorias: voz e atuação. “Nós entendemos que dada a qualidade dos membros do júri, tínhamos aqui uma oportunidade. O júri, que enquanto júri não pode ter qualquer contacto com os candidatos, mas a partir do momento em que eles não passam para a fase seguinte do concurso, pode aparecer no papel de mestre”, disse Alexandra Maurício.
Para além das masterclasses, os candidatos que não forem escolhidos para a final irão dar um concerto no Palácio da Cidadela. “Os membros do júri vão estar a assistir. E isto é mais uma oportunidade para estes candidatos”.
Os dois fundadores pretendem com este festival colocar Portugal como local de referência no mundo da ópera. “Infelizmente só temos um teatro de ópera. Um dos nossos objetivos é que este local seja um local de referência internacional”, sublinha Adriano Jordão, acrescentando que este evento veio preencher uma lacuna “do ponto de vista da oferta de turismo cultural de alta qualidade”.
Alexandra Maurício acrescenta que pretende criar uma comunidade com este concurso. “Queremos que os candidatos também sintam que têm aqui um porto de abrigo e queremos que esta ligação permaneça com eles. Queremos construir o caminho em conjunto.”
Na edição anterior, muitos dos candidatos que não passaram à final ficaram por Portugal, durante uns dias. “Eu sentia ema alegria, uma camaradagem, durante aqueles dias. Havia muitos a chorar por não passarem para à fase seguinte. E os outros imediatamente iam consolá-los. Sentimos genuinamente uma grande entreajuda entre eles, independentemente dos grandes concorrentes que temos aqui”, sublinha o pianista.
A final irá decorrer no dia 4 de maio, às 17h00, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, onde oito finalistas irão atuar e serão acompanhados pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida pelo maestro Antonio Pirolli.
Para além do Grand Prix Égide, serão atribuídos um prémio de voz feminina, que pretende homenagear Teresa Berganza, e um prémio para voz masculina com nome de Maurício Bensaude.
A escolha de Maurício Bensaude para o nome do prémio masculino pretende dar a conhecer este músico português do século XIX, que foi escolhido em 1896 por Giacomo Puccini para interpretar o papel de Marcello na estreia de La Bohème no Teatro de la Opera, em Buenos Aires. “Também temos esta obrigação, não é? De incentivar o que de melhor se faz, ou do que de melhor há, ligado a Portugal ou à lusofonia”, diz Adriano Jordão.
Os diretores do festival pretendem dar continuidade a este evento anual. “A nossa ambição é chegar aos cinquenta anos. E é um esforço humano, intelectual, financeiro, um envolvimento tão grande das equipas que são extraordinárias que não faz sentido que isto tenha uma ou duas edições e acabe. Todos queremos que isto seja um projeto que vai continuar, vai crescer de uma forma sustentada a todos os níveis”, diz Alexandra Maurício.
A preparação deste evento demora cerca de um ano.”Nós acabamos uma edição e começamos logo a outra. Eu estava agora aqui a pensar uma data de coisas para a edição de 2026”, acrescenta a diretora.
De Cascais para o mundo
O Cascais Ópera chega também ao Brasil. O Teatro Amazonas convidou o projeto português fundado por Adriano Jordão e Alexandra Maurício para uma parceria com o Festival Amazonas de Ópera. “Convidaram-nos para assinar um protocolo em abril ”, revela Adriano Jordão.
Esta parceria será feita através do novo Prémio Carlos Gomes do Cascais Ópera, que irá levar o vencedor a atuar no Festival de Ópera da Amazónia.
“Eles promovem um corredor cultural lírico que liga todos os países que fazem fronteira com a Amazónia e onde eles querem que também Portugal esteja incluído”, acrescenta Alexandra Maurício.
Desde o ano passado que este projeto faz parte da rede Ópera LatinoAmérica (OLA), que reúne mais de 45 teatros. “Isto vai-nos permitir agora estreitar muito a nossa relação com a América Latina e, em particular, com o Brasil”, menciona Alexandra Maurício.