Carros, charme e diversão: ‘Duster’ é uma série sobre rodas
A começar nos sapatos azuis de Elvis e a acabar numa aparição cómica do aviador e magnata do cinema Howard Hughes, Duster está aí (na plataforma Max) para mostrar o que pode um argumento quando a alma criativa não é pequena. Série escrita a quatro mãos, por J.J. Abrams e LaToya Morgan, é nela que vemos surgir, com uma pose infinitamente segura, Josh Holloway, a estrela de Perdidos, que o próprio criador desse grande sucesso, J.J. Abrams, terá visto em sonhos, numa imagem mais ou menos assim: “Havia uma cabine com um telefone a tocar no meio do deserto, e um muscle car [carro desportivo americano] a acelerar na sua direção”, conta LaToya Morgan, especificando que Abrams imaginou Holloway a saltar desse carro... Ou seja, tinha mesmo de ser ele.
Numa conferência de imprensa virtual em que o DN participou, a cocriadora, ao lado dos protagonistas Josh Holloway e Rachel Hilson, deliciou-se com os detalhes da conceção de uma série que, bem vistas as coisas, parece ter nascido de um simples desejo de passear pelo ambiente dos seventies numa viatura musculada. Porquê um Duster? “Porque é, de facto, um carro cool”, resume Morgan. “Só o fabricaram durante seis anos, por isso corresponde a algo icónico, que era o que queríamos para o efeito. Ainda considerámos o Aston Martin, que o James Bond tem, ou o Mustang do Steve McQueen [em Bullitt], mas ficou o Duster”.
O ano é 1972 e quem conduz a dita máquina vermelha é Jim (Holloway), um indivíduo ultra charmoso, de cabelo liso esvoaçante e sorriso aberto, que ganha a vida como motorista de fuga na região sudoeste dos Estados Unidos, fazendo pequenas entregas que correspondem às transações criminosas de um godfather afro-americano. Isto até aparecer em cena a recém-formada agente do FBI Nina (Rachel Hilson), primeira mulher negra naquele departamento, com a missão de apanhar o senhor do crime local: esse para quem Jim trabalha, e com quem ela própria quer ajustar contas de um passado longínquo. Basicamente, e ainda que a contragosto dele, estas duas personagens terão de unir esforços, ao longo de oito revigorantes episódios, para chegar a algo parecido com a verdade dos factos familiares que os movem.
De Tarantino a O Padrinho
Uma das delícias da série é a sua variedade de tons, que, colocados numa escala, podem ir do momento mais doce à sequência mais violenta e absurda.
Sobre isso, o DN quis saber o que esteve na génese da “tempestade de ideias” de Duster. E a resposta foi completa: “Tentámos uma mistura de muitas coisas. As pessoas que gostam daquela vibe Tarantino, ou daquela vibe Scorsese, vão encontrá-las ali. Mas também quisemos infundir humor em tudo. Dentro das nossas referências, falámos de O Padrinho [1972], A Última Testemunha [1974], Asfalto Quente [1974]... todos aqueles grandes filmes dos anos 70 que a maioria de nós conhece e ama. Essas foram as inspirações. E uma das minhas referências favoritas é um pequeno filme chamado Five Easy Pieces [Destinos Opostos, 1970], que muita gente desconhece, mas eu adoro-o! Sabe, sinto que as pessoas acham que os anos 70 são golas muito largas e roupas brilhantes, mas naquele filme, vemo-las a vestir jeans e a parecerem normais, com um ar vivido e autêntico. Era isso que eu queria que a série fosse”, revela LaToya Morgan.
Com estes títulos em mente, confirmam-se as suspeitas de um amor particular à década de 1970 e às marcas da sua explosão cultural, aliás, bem patente na banda sonora de Duster. Uma época que Josh Holloway experienciou enquanto criança, e de onde retira um certo fascínio pela ausência de tecnologia.
“Os carros de hoje em dia não permitem fazer as coisas que se faziam num carro dos anos 70. No Duster 1972 puxa-se o travão de mão e faz-se a manobra, sem ser a viatura a corrigir o problema por ti”, diz o ator, lamentando os vícios contemporâneos: “Acho que perdemos muitos momentos intersticiais no iPhone, ao passo que, naquela época, tínhamos de abrir as cassetes, pôr o cartucho a funcionar e baixar o vidro do carro. Era uma época em que se processavam as coisas, e havia tempo para isso. De resto, é algo que atrai o público: alguém a processar qualquer coisa não é chato de ver”.
Ainda no elogio ao analógico, Morgan destaca a importância de não haver elementos facilitadores nesta história. Para Jim chegar a algum lugar, tem de pôr o pé no acelerador a toda a hora e parar em cabines telefónicas volta e meia. “Isso acrescenta uma camada à personagem, uma vez que ele está impossibilitado de simplesmente escrever uma mensagem no telemóvel”. Pois: é possível que os níveis de charme de Holloway diminuíssem substancialmente com esse gesto.