Sete décadas após a publicação das biografias de Luís Camões (1950) e de Camilo Castelo Branco (1957) pelo escritor Aquilino Ribeiro (1885-1963), a Bertrand reedita num único volume cada uma delas, respetivamente, editadas em dois e três volumes originalmente. Acrescenta dois prefácios a cada uma, de António Valdemar e de José Cândido de Oliveira Martins, além de índices onomásticos. Comparando com a data da primeira edição, a poucos dirá muita coisa o nome de Aquilino Ribeiro - apesar do esforço editorial da reedição contínua nos últimos anos -, pois faz parte de um outro tempo, mesmo que distante dos ideais do Estado Novo. Reconhecido à época pela maioria dos seus pares, foi proposto para o Nobel da Literatura em 1960, a sua morte foi proibida de ser noticiada pela censura e em 2007 foi trasladado para o Panteão Nacional.Não é preciso ler a bibliografia de Aquilino para se compreender porque hoje é quase ignorado; afinal, culto e dono de uma língua portuguesa nem sempre compreensível para a atual geração dos que a falam, vai sendo esquecido.Mesmo que as grandes questões nacionais se mantenham, como regista o prefaciador António Valdemar após descrever o processo de aprovação de Os Lusíadas pela Inquisição, no qual autor e censor apararam o que era necessário de modo a ser autorizado. Segundo Valdemar: “Vivendo Aquilino num regime de censura, tal como no tempo da Inquisição, no seu entender houve conversações e reajustamentos entre o censor e o autor e assim foram ultrapassadas questões como as narrativas pagãs, de versos incendiados de exaltação sexual, como o da Ilha dos Amores”.A nova edição de Luís de Camões – Fabuloso * Verdadeiro chegou às livrarias no ano passado, quando se comemorava o seu nascimento (1524 ou 1525?), e Valdemar decidiu tornar esta biografia mais atual, comparando os tempos e os problemas do país. Vejam-se alguns exemplos do que considera ser um estímulo para a leitura de Camões, principalmente de Os Lusíadas, pois a obra de Aquilino confronta-nos com a sua – e nossa - atualidade: “Em numerosas passagens deparamos com a vigorosa acusação dos silêncios cúmplices e da promiscuidade dos negócios; insurgiu-se contra a generalizada corrupção instalada em Portugal, com uma classe política sedenta de poder e impune, a precariedade dos vínculos laborais, a crise na saúde e na justiça.” Logo na introdução da biografia de Camões, Aquilino justifica o seu empenho em estudar o poeta: “Impõe-se uma revisão a fundo e com meticulosidade”. Informa que não encontrou “novas fontes” mas detalhes mal lidos até chegar a sua vez. Por exemplo: “As três cartas particulares que nos restam do poeta”, bem como de muitas outras especificidades de modo a encontrar o “Camões verdadeiro”. Aquilino Ribeiro não deixa de colocar no posfácio na penúltima página uma das críticas que lhe foram feitas após uma primeira versão, Camões, Camilo, Eça e Alguns Mais, registando o título de Norberto de Araújo: “Camões não foi bem como Aquilino o viu”.O Romance de Camilo é a biografia mais recente a nível de chegada às livrarias sobre o escritor Camilo Castelo Branco, também de Aquilino Ribeiro, prefaciada por Cândido de Oliveira Martins. Aquilino já se dedicara a várias obras e ensaios sobre Camilo e ao escolher o título desta biografia, considera o prefaciador, deve-se a querer demonstrar uma ambiguidade, como explica logo na nota preliminar: “Este livro, em despeito do título, não pode considerar-se um romance, é história verdadeira”. Não se deixa de referir que não é invenção sua, pois Camilo já se comportara assim durante a vida e a sua própria história dava um romance. Cândido de Oliveira Martins confirma-o no seu prefácio ao concluir que “a atribulada existência de Camilo configurou um verdadeiro 'romance', a que não faltaram outros tantos momentos picarescos. Para isso, em muito contribuiu a conturbada e escandalosa vida do escritor.” Para o investigador, não foram apenas estas qualidades que moldaram a sua imagem futura: “Também, em alto grau, a imagem ou imagens que Camilo foi construindo de si próprio, desenhando de modo insistente a figura autoral, tantas vezes projetada no que escrevia, em diversas tonalidades autobiográficas”.Cândido de Oliveira Martins refere o que Aquilino revela quando se coloca perante essa herança sobre Camilo ao escrever esta biografia da seguinte forma: “Procurar o homem picado do génio e das bexigas, que até à idade madura passou as passas do Algarve, foi pai de dois filhos loucos, brigou, confessando-se plebeu, a coroa de visconde, matrimoniou-se tarde com a pobre matrona desencaminhada do lar, desdenhado por mulheres, animal de nervos, irregular em tudo.” Segundo o prefaciador, todos estes ângulos biográficos de Camilo eram bem conhecidos de Aquilino e suficientes para avançar nesse projeto bio-bibliográfico que pretendia ao mesmo tempo “desmistificar o retrato de Camilo, retirar-lhe o verniz hiperbólico e postiço que lhe foi sendo colado.”Os dois esforços biográficos gigantescos de Aquilino Ribeiro sobre Camões e Camilo não tiveram uma receção unânime à época da publicação. Cândido de Oliveira Martins fecha o seu prefácio a relatar as polémicas geradas por Camilo e António Valdemar faz o mesmo, afinal a sua biografia resultou em muito debate porque “ao esvaziar os mitos” “varreu as teias de aranhas” que interessavam aos intelectuais e políticos que zelavam pela continuidade do regime”. .LUÍS DE CAMÕESAquilino RibeiroBertrand397 páginas .O ROMANCE DE CAMILOAquilino RibeiroBertrand603 páginas Lançamentos da semanaLiteratura: Portugal e China Fazer a história das relações literárias entre Portugal e a China é o primeiro objetivo deste livro, cujo autor tem traduzido vários escritores portugueses, entre os quais Sophia, Pessoa, Eugénio de Andrade, e publicado ensaios sobre outros autores nacionais, como Eça de Queiroz, Camilo Pessanha ou Camões. Segundo a tradutora e prefaciadora desta obra, Yao Feng considera que a “tradução da poesia é difícil mas não impossível se o tradutor se deixar guiar pela empatia”, entre outras qualidades pessoais, e investigar “até ao limite as suas possibilidades gramaticais, ortográficas e semânticas”. Repleto de histórias sobre os escritores portugueses e chineses, lê-se com muito interesse. .O ENCONTRO DOS EXTREMOSYao FengGradiva493 páginas Mudar o mundoO historiador Roger Crowley já publicou em Portugal dois dos seus livros, um dos quais – Conquistadores - tem muito a ver com o que agora foi editado: A Rota das Especiarias. Para o autor, a chegada dos portugueses ao Oriente em busca das especiarias deu origem a uma luta comercial que alterou as rotas destes bens e colocou em confronto os meios náuticos e os conhecimentos científicos de vários países, como os da vizinha Espanha, de forma a superar o domínio português na diminuição das distâncias entre os produtores e os compradores daqueles produtos. Crowley tem na contracapa uma frase que vale a pena reproduzir: “Quem controla as especiarias controla o mundo”. .A ROTA DAS ESPECIARIASRoger CrowleyPresença367 páginas