Nesta época do ano em que os Óscares dominam as conversas dos espectadores e cinéfilos, é quase inevitável estabelecer ligações entre filmes nomeados. Vem isto a propósito do facto de na última semana ter chegado às salas Os Excluídos, nomeado para melhor filme (por sinal, um dos melhores esforços do irregular Alexander Payne), que rima com A Sala de Professores, de Ilker Çatak, a produção alemã nomeada na categoria de melhor filme internacional, em estreia a partir desta quinta-feira. Porquê a rima? Ambos os filmes têm professores como protagonistas... mas não podiam ser mais distintos entre si. Se Os Excluídos é um globo de neve que nos faz mergulhar no espírito dos muito americanos seventies, através de uma nota genuína de comédia melancólica e redentora, A Sala de Professores segue uma certa linha contemporânea de nervo firme que estuda a escola na sua vertente social mais dura e complexa.Ao vermos pela primeira vez a professora Carla Nowak (interpretada com todos os músculos do corpo por Leonie Benesch), somos levados a simpatizar de imediato com a figura: alguém de consciência moral sólida, que põe o bem-estar dos alunos acima de tudo, aqui no contexto de uma investigação interna da escola motivada por uma série de roubos. Passam-nos brevemente pela memória cenas semelhantes de As Ervas Secas, de Nuri Bilge Ceylan (ainda em cartaz), filme que coloca em confronto ambíguo um professor e uma aluna, mas também retratos de docentes especiais na vida dos jovens aprendizes, como O Professor Bachmann e a Sua Turma (2021), fabuloso documentário alemão de Maria Speth, que contém algo da mesma realidade multicultural de A Sala de Professores, e Recreio (2021), da belga Laura Wandel, em que a única fonte de luz é a doce presença de uma professora.Esse filme de Wandel tem, aliás, um traço mais forte em comum com o filme de Ilker Çatak: a escola é observada como uma prisão, um campo de batalha que nos prepara, mal ou bem, para o mundo lá fora.Dir-se-ia que Çatak procurou num olhar espacialmente concentrado - sem acesso à vida das personagens fora do recinto da escola - as dores da primeira forma de instituição que todos experimentamos. No caso, também (ou sobretudo) as dores de uma jovem professora de matemática e educação física, recém-chegada, que quer começar com o pé direito a sua relação com os alunos, agilizando todas as situações que estiverem ao seu alcance. É, de resto, isso que leva Carla/Benesch a tentar descobrir o autor dos roubos que acontecem na sala dos professores, e assim evitar mais acusações baseadas num disfarçado racismo. Como? Ela cria uma armadilha e deixa a câmara do seu portátil ligada... Mas ao levantar uma suspeita não totalmente confirmada pela suposta prova do registo de imagem, vê-se na mesma posição dos colegas que antes olhou com um princípio de superioridade, por saber distinguir uma atitude certa de uma atitude errada no momento de abordar os adolescentes.Na pele da professora Ao adotar a estrutura do thriller paranoico, Çatak encerra-nos na aflição de Carla, que está embrulhada nas consequências volumosas do seu bem-intencionado procedimento, e em rota de colisão com o seu aluno preferido, por acaso, filho da funcionária suspeita dos roubos. Mas o arrepio constante provocado por este A Sala de Professores tem menos que ver com essa engrenagem sensorial do género ao serviço da história do que com todo o ruído interior que vai crescendo e crescendo e crescendo. Quando, numa aula, a protagonista fala das “verdades universais verificáveis” enquanto base da ciência moderna, ao mesmo tempo que se depara com o caos humano dentro e fora da sala, num ambiente institucional implacável, percebe-se que o filme de Ilker Çatak está quase exclusivamente focado no monstro social que pode nascer de qualquer tomada de decisão, no modo como o ressentimento pode escalar a partir de qualquer julgamento, seja ele precipitado ou não.Perguntas como “quem é o culpado” ou “quem é que agiu bem ou mal” não são o ponto deste filme vigoroso, que faz os possíveis por deixar o espectador imerso na dúvida e ambivalência integrantes da dimensão prática da vida, que no fundo já se confunde com a própria cultura da suspeita. Como se dissesse nas entrelinhas da ação que só nos resta aprender a nadar num mundo hipersensível, onde o idealismo e a lógica chocam contra a parede do real - um toque de parábola que lhe retira um bocadinho de efetividade.Dito isto, não há uma aprendizagem feliz em A Sala de Professores, e parte do ganho está aí. Afinal, a escola não é uma promessa de segurança, mas o lugar onde as sementes da guerra são lançadas pelo menor descuido. O que fazer? Talvez gritar como quem nasce outra vez, para libertar a corrente elétrica nociva dos laços sociais..dnot@dn.pt