As curtas portuguesas que vão marcar a Quinzena dos Realizadores
O cinema português na Quinzena dos Realizadores destaca-se pelas curtas escolhidas. Dois bons exemplos de uma vitalidade pujante. Entre Trás-os-Montes e a Serra da Arrábida, dois olhares diferentes e que reiteram uma diversidade que não é de subestimar. Tudo isto num ano em que temos seis filmes em todas as secções do festival - A Savana e a Montanha, a longa de Paulo Carneiro, western sobre a resistência das gentes de Covas do Barroso à exploração de uma mina de lítio a céu aberto, já foi exibido ontem.
Curiosamente, Quando a Terra Foge, a curta de Frederico Lobo, que passa na quinta-feira, também é filmado na mesma zona e com o mesmo clima de inquietação acerca do lítio. Trata-se de cinema do real que acompanha um pastor à procura de uma vaca tresmalhada que fugiu pela montanha. Mas depois é sobre coisas da ordem do divino, é uma fonte de prazeres telúricos capaz de apreender as matérias da natureza. Ou um cineasta que capta o ar, uma ideia de tempo perdido.
Quando a Terra Foge tem aquele vagar das coisas pastorais. Esse é um elogio evidente, mas talvez seja conveniente realçar que há imagens que nos transportam para uma dimensão da fábula. Um pouco como Manuela Serra tinha conjurado em O Movimento das Coisas, em 1985 ou, ainda antes, Margarida Cordeiro e António Reis feito o mesmo, em 1976, com Trás-os-Montes.
Passeio pela serra
Depois, há ainda Inês Lima a convidar-nos para um passeio botânico na comédia de 18 minutos O Jardim em Movimento, movido por um efeito alucinatório floral. Uma aventura literalmente dos sentidos cujas anfitriãs, duas guias da serra da Arrábida, fazem-nos perceber que neste parque natural algo está em mutação. Uma mutação que é corpo fantasioso do cinema. O resultado é um ensaio de cinema tão lúdico como viajante. Uma bela surpresa que era bom que em Portugal fosse celebrada no Curtas Vila do Conde.
Mesmo sabendo que Cannes não é um festival simpático ou apetecível para a curta-metragem, estes dois filmes vão ganhar projeção global na Quinzena dos Realizadores, sendo que a obra de Frederico Lobo vai já para a semana poder ser vista na competição do Indielisboa. E, mais para o fim do festival, na corrida à Palma de Ouro, Daniel Soares vai espantar tudo e todos com esse surpreendente Mau por um Momento. São dias felizes para as curtas nacionais.
Rui Tendinha, em Cannes.