“A minha imagem pública é a de uma mulher em quem não se pode confiar - totalmente superficial, não muito bonita... por dentro. Talvez por causa da minha vida pessoal, eu passe a impressão de algo ilícito; mas não sou ilícita nem imoral. Cometi erros e paguei por eles.” Estas palavras que se ouvem no início de Elizabeth Taylor: The Lost Tapes, ditas de viva-voz, captam o que de novidade pode haver em relação a uma atriz cuja vida se explorou mediaticamente até à exaustão: a ideia de si própria no confronto com os olhares exteriores. Se é verdade que não traz grandes revelações ou um ângulo raro sobre Taylor, o que o documentário de Nanette Burstein oferece é a perspetiva pessoal daquela que fez mover multidões, tanto enquanto estrela de Hollywood como na qualidade de destruidora de lares... .Em estreia hoje na Max, depois de ter passado na secção de clássicos do Festival de Cannes, o filme que propõe um regresso à memória de uma das mais vibrantes lendas da indústria do cinema americano baseia-se nas fitas de áudio de um conjunto de entrevistas gravadas em 1964, quando Taylor ainda sentia as réplicas do terramoto que fora a rodagem da megaprodução Cleópatra (1963) e o simultâneo romance com Richard Burton. Entrevistas conduzidas pelo jornalista Richard Meryman, da revista Life, que à época forneceram material para um livro biográfico, sendo recentemente redescobertas e aqui utilizadas como janela de acesso a uma certa intimidade. O ouro está, assim, na voz da atriz e nas modulações de tom de quem conta a sua história com a consciência do aparelho que a regista - talvez por isso mesmo, temos momentos revestidos por uma nota de à-vontade que dá a sensação de se estar na mesma sala que ela, com um copo de vodka tónica na mão. .Seguindo a linha cronológica, Elizabeth Taylor: The Lost Tapes organiza o seu percurso, desde os primeiros passos da jovem anglo-americana nos grandes estúdios até ao furor dos referidos Anos 60, com um suporte de arquivos de imagem que habilmente complementam as palavras, sejam registos noticiosos ou excertos de filmes. Mas é preciso esclarecer: não estamos perante uma abordagem concentrada no trajeto cinematográfico de Taylor, antes no modo como a sua fama se jogou entre o ecrã e os casos da vida pública. .Os maridos de Elizabeth.Daí que os sucessivos casamentos da atriz (até à data das entrevistas foram cinco) surjam como uma espécie de assunto central que definiu a sua postura de vida, começando na tenra idade de 18 anos (divorciou-se logo aos 19), quando, por sua vez, a carreira no cinema arrancou aos 10, na forma do sucesso Lassie Come Home (1943). Tudo muito precoce? Digamos que a questão da idade em Elizabeth Taylor tem qualquer coisa de crucial: aos 16 anos ela interpretava personagens com aparência de 24, e aos 20 já era mãe na vida real, acreditando que a instituição do casamento lhe garantia a maturidade desejada. .Com efeito, havia em Taylor uma vontade de se afirmar para além da estonteante beleza natural que a publicidade anunciava (“Já viu por aí um sonho a caminhar? É um sonho de pele alva e bochechas rosadas, cabelos negros ondulados e olhos azuis que falam”). E essa afirmação tinha muito que ver com o complexo de inferioridade que a consumia nas rodagens em que estava na presença de atores formados pelo Actors Studio. Porque, amplamente vista como uma movie star, Taylor queria estar no mesmo plano de consideração que os verdadeiros atores. .Sobre o tema, ouvimo-la dizer que um dos realizadores com quem fez dois dos seus melhores filmes (Um Lugar ao Sol e O Gigante), George Stevens, tanto foi encorajador do talento adulto que nela espreitava como, na segunda experiência de rodagem, a conotou com os caprichos de estrela que, segundo ele, nunca a permitiriam tornar-se uma atriz respeitada. E assim, quando venceu o seu primeiro Óscar em 1961, por Butterfield 8, a perspetiva da própria é que se tratou de um prémio de “solidariedade”, atribuído pouco depois do procedimento cirúrgico a que fora submetida, na sequência de uma pneumonia. .Esta falta de confiança na sua aptidão artística não a impediu de se tornar a primeira movie star (homem ou mulher) a pedir e receber um milhão de dólares por um filme - é o valor correspondente à infame produção de Cleópatra e a escaldante história de amor com Richard Burton, por entre polémica e paparazzi. Um dos capítulos complexos da sua celebridade, só comparável ao escândalo com Eddie Fisher, o ex-marido de Debbie Reynolds, que trocou alianças com Taylor apenas 3 horas depois da assinatura do divórcio... Quem é que não tinha medo dos seus lindos olhos azuis? Só os bons amigos gays de Hollywood, que ela tanto estimava.