Ao trabalho com Anselm Kiefer
Glória à obra de Anselm Kiefer, artista plástico alemão que tem marcado várias gerações. A glória e o tributo são assumidos por Wim Wenders neste documentário que percorre um trajeto sobre a obra e a vida desta estrela da pintura e da escultura. Wenders é fã do seu conterrâneo e não o quer esconder. Aliás, faz questão de o mostrar em grande - o “grande” é o leitmotiv para colocarmos os óculos de 3D. Afinal, para estarmos perto das obras gigantes de Kiefer é preciso estarmos imersos nelas.
O que é significativamente bonito nesta “contemplação” é a forma como esta “homenagem” é tudo menos um sampler promocional do artista. Estamos dentro do cinema, cinema que nos dá uma sensação de levitação como só um grande cineasta é capaz: um Wim Wenders que, de uma assentada, nos dá dois dos seus melhores filmes - Dias Perfeitos ainda está aí nas salas a causar lágrimas de alegria...
Na brutalidade da dimensão das instalações, a câmara de Wenders começa por espreitar. Depois, suavemente, deixa-se ir atrás do guia, o próprio Anselm Kiefer. A par disso, temos um mood visual, quase sempre a brotar de algo sereníssimo. Uma osmose com aquele mundo do artista. Depois, muito importante, o som e os sons: não é por acaso que o subtítulo é O Som da Tempo. Já quando entrou pelo universo de Pina Bauch em Pina (2011) ou no de Sebastião Salgado em O Sal da Terra (2014) tudo o que se ouvia era um artefacto para a compreensão de um cosmos particular.
E neste “relato de artista” a simpatia dá lugar a uma frieza demolidora: Kiefer não se quer vender, mas quem aqui entrar sem conhecer a sua obra ficará, com certeza, fã, sobretudo pela exposição de uma intransigência - passa-se a imagem de que foi dos artistas alemães um dos que procurou integrar sempre um pensamento sobre a culpa alemã perante a herança do nazismo. Tudo isto num delicado equilíbrio entre imagens de arquivo e poses atuais. Poses que parecem ser genuínas da reserva pessoal e íntima de Kiefer.
Na procura de Wim Wenders pelo mistério Anselm Kiefer está também uma convocatória da infância do artista, nem que para isso seja proposta uma adenda de ficção e na qual é proposta uma coreografia de cores e beleza geométrica. A tal ideia de uma alquimia perto de uma deslumbramento total. Será este o teorema do cinema com o tempo da arte? Ou com o “som” da arte? São muitas perguntas dentro de uma mais abrangente: onde está a solidão deste homem que se veste de preto e que não abdica do seu charuto em pleno ato de criação?
A resposta está contida num espetro do enigma que Wenders tem o bom senso de não revelar, mesmo quando nos leva ao céu com esta visita guiada acerca do sentimento alemão confrontado com a questão do tempo. O tempo sempre grandioso, tal como tudo o que Anselm Kiefer fez. Por isso mesmo, a criança Anselm colapsa no idoso Anselm. Colapsa ou funde-se... Curiosamente, a criança é interpretada por um menino de talento arrepiante, Anton Wenders, sobrinho-neto do cineasta.