Músico autodidata, formado na audição atenta dos programas da Emissora Nacional e das lições do pai (também ele guitarrista), António Chainho está para Portugal como Paco de Lucía para Espanha. Os dois, aliás, chegaram a estabelecer um dueto ibérico de guitarras, num disco que reuniu vários artistas internacionais..O tempo, no entanto, dita a sua lei e, chegado aos 86 anos, Chainho decidiu terminar a sua carreira nos palcos, despedindo-se do público num concerto que terá lugar na próxima 6.ª feira, 13, na Praça do Município, em Lisboa. A seu lado terá, como convidados, alguns dos seus “cúmplices” das últimas décadas: Carminho, António Zambujo, com quem sempre teve grande cumplicidade, Marta Pereira da Costa (que participou no último disco, O Abraço da Guitarra), o quarteto de cordas Naked Lunch, que também integrou esse disco, Ciro Bertini (diretor musical, interpõe de baixo acústico e acordeão) e Tiago Oliveira (viola de fado). A entrada é gratuita..Mas a retirada do guitarrista, natural de São Francisco da Serra, concelho de Santiago do Cacém, foi também o momento escolhido para a publicação em livro das suas memórias. No passado dia 4, foi lançada a obra O Abraço da Guitarra (título comum ao último disco, como já vimos) em que a jornalista Moema Silva deu voz narrativa a António Chainho. Tudo começou, como a própria nos conta, com uma reportagem publicada na UP, a já desaparecida revista de bordo da TAP: “A ideia de fazer este livro surgiu em 2019. Passei um fim de semana com ele no Alentejo, na região de Santiago do Cacém, onde fica a sua terra natal. Conversámos imenso e percebi que ele tinha muito mais a contar do que o que cabia numa reportagem. Então sugeri-lhe que fizesse um livro de memórias. E ele, de imediato, retrucou: ‘Podia ser a minha amiga Moema a escrever, pois já me conhece muito bem’.”.Na verdade, bem vistas as coisas, tudo começou muito antes, ainda na década de 1980: “Conheci-o no Rio de Janeiro, onde eu vivia e trabalhava como correspondente do semanário de espetáculos Sete. Nessa altura, eu acompanhava todos os artistas portugueses que iam ao Brasil. Para além disso, o meu pai, Amândio Silva, já falecido, era conselheiro social da Embaixada de Portugal e recebia-os oficialmente. Criavam-se fortes laços de amizade e, com o Chainho, não foi diferente. A partir daí, fomo-nos sempre encontrando em diversos eventos e espetáculos.”.Moema adorou o processo, naturalmente moroso, de investigação e escrita: “Tal como digo na introdução do livro, constituiu um autêntico privilégio escrever esta obra sobre António Chainho, em convívio estreito com o próprio, elevando o sentido de partilha. Também adorei recolher os testemunhos que fazem dele uma unanimidade e não posso deixar de destacar o belíssimo prefácio assinado pela Lídia Jorge.” Mas o processo não foi isento de dificuldades: “Pouco depois de começarmos a trabalhar no livro, veio a pandemia. Como não podíamos estar juntos, passámos horas infindas ao telefone. O Chainho ia contando as suas histórias e eu ia registando diretamente no computador. Paralelamente, fui fazendo a pesquisa necessária. Mas só muito mais tarde conseguimos finalizar o livro. Não foi fácil rever mais de 80 anos de vida e 60 de profissão.” Mas, uma vez concluída a missão, a autora mostra-se grata pela confiança demonstrada pelo músico, mas também pela oportunidade de o homenagear em vida: “Fico muito, muito feliz por ter tido o Mestre ao meu lado, no lançamento das suas histórias e memórias.”.Ao longo de mais de 60 anos de carreira (que, curiosamente, começou em Moçambique, em plena Guerra Colonial, quando Chainho era chamado para acompanhar os artistas metropolitanos que iam atuar à província ultramarina), a sua guitarra portuguesa ouviu-se em palcos de países como Espanha, França, Estados Unidos, Brasil, Suécia, Grã-Bretanha ou Japão. Primeiro como acompanhante de grandes nomes do fado como Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Francisco José, Frei Hermano da Câmara, Hermínia Silva, Lucília do Carmo ou Maria Teresa de Noronha. Mas depois, em nome próprio. .Em 1996, gravou um disco com a Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida por José Calvário. Dois anos depois, ao lado da canadiana K.D.Lang, António Chainho integrou o espectáculo “Red Hot + Lisbon” na interpretação do clássico Fado Hilário. Ainda em finais de 1998, grava, com Ana Sofia Varela, Filipa Pais, Marta Dias, Teresa Salgueiro, Elba Ramalho e Nina Miranda, o álbum A Guitarra e Outras Mulheres, com produção de Andrés Levin. .As parcerias virtuosas continuaram em 1999, com uma viagem ao Brasil. Dessa passagem nasceu o álbum Lisboa-Rio, em estreita colaboração com Celso Fonseca e Jacques Morelenbaum. Por essa época, também é convidado para acompanhar inúmeros artistas entre os quais José Carreras, Adriana Calcanhoto ou Maria Bethânia..Desejoso de passar o seu legado, Chainho integrou o corpo docente na Escola de Guitarra do Museu do Fado e participou em seminários e workshops, no Sri Lanka, Nova Deli, Bengaloro, entre outras cidades asiáticas, dando continuidade à sua missão de divulgar a guitarra portuguesa no mundo.