Quando surgiu a primeira temporada de Andor, em 2022, algo de muito refrescante se fez sentir. De repente, tínhamos uma série da casa-mãe Lucasfilm que em nada se parecia com o cumprimento insípido de um calendário de fan service - até dispensava os míticos sabres de luz... Obviamente, não foi só isso que lhe garantiu, em pouco tempo, o epíteto de “melhor série Star Wars”. Mas tinha-se tornado tão evidente a estagnação criativa das sucessivas produções bajuladoras do universo em causa, que no meio delas, Andor, pela sua feição adulta e quase independência, saltou à vista enquanto narrativa (com admirável labor ‘thrillesco’) capaz de fixar espetadores à procura de uma intriga menos devota da ação nostálgica para fãs e mais sólida na leitura política da grande fantasia espacial de George Lucas. Foi inclusivamente nomeada para oito Emmys, entre os quais, o de melhor série dramática.Enfim, é com este estatuto que Andor chega à sua segunda e última temporada, para acabar de contar a história de Cassian Andor, o piloto que se tornará figura central da chamada Aliança Rebelde, e cuja fase formativa antecede os acontecimentos de Rogue One: Uma História de Star Wars (2016). Na qualidade de prequela, a série recua então cinco anos relativamente ao filme e foca-se no percurso de Cassian dentro da trama galáctica, que se encaminha para uma expressão de resistência tão crua quanto sofisticada - foram precisos 12 novos episódios, divididos em quatro capítulos de três, para se entrar na malha conspirativa. O primeiro capítulo já está disponível no Disney+, e os seguintes serão lançados a uma cadência semanal.. Numa altura em que regressa aos cinemas Star Wars: A Vingança dos Sith, para assinalar o 20º aniversário da estreia, e pouco depois de ter dado entrada no catálogo do Disney+ a nova temporada de Light & Magic (série documental sobre a empresa de efeitos especiais que George Lucas fundou para conceber Star Wars), Andor junta-se à celebração constante desta space opera americana trazendo uma consistência rara ao pequeno ecrã.Porquê “a melhor”?Desde logo, vale a pena relembrar que no comando da escrita de Andor está Tony Gilroy, criador conhecido sobretudo como argumentista dos filmes Bourne, que, neste caso, se desfez da palha heroica para trabalhar a inteligência da narração, o movimento síncrono das personagens em diferentes planetas, e uma adrenalina muito particular: aquela que se sente nas conversas às escondidas e nas intenções ambíguas, mesmo as de quem não será totalmente um vilão, apesar de assim se apresentar no xadrez de uma guerra iminente. . Resistência é, por sua vez, uma das palavras de ordem, embora num dos derradeiros episódios também se ouça alguém falar da “liberdade” como “ideia pura”, que importa defender com “esperança”. Andor firma-se nesses valores, mas não o faz com a leveza abstrata de uma fantasia de ficção científica: há uma solidez de consciência histórica que alimenta os eventos da série, como se o passado e o presente da espécie humana encontrassem ecos nalguns dos acontecimentos da nova temporada (neste texto não haverá spoilers).Tudo passa então pelos movimentos mais ou menos secretos de uma rebelião, que começaram na temporada anterior e agora adquirem uma faceta (ainda) mais emocional, assente nos laços comunitários, no seu sangue quente, em luta contra a frieza aniquiladora do Império. Uma luta que tanto se faz à porta fechada como em festas de casamento, ou através de comunicações por rádio, jogos de diplomacia e hipervigilância. Por comparação, pode dizer-se que a segunda temporada intensifica todos estes aspetos, com uma beleza a meio caminho entre o elegante e prático design de produção (por vezes a lembrar a fibra estética de Blade Runner) e um romantismo suave que se mistura com a dureza das circunstâncias. Uma coisa é certa: não há monotonia nem exibicionismo nos cenários; tudo corresponde ao espírito de uma revolução, desenhada na pele de um thriller político e de espionagem.Assim, se The Mandalorian é visto dentro do universo Star Wars como um sucesso baseado na sua dupla protagonista - Pedro Pascal e o amoroso Grogu/Baby Yoda -, Andor, com o rosto de Diego Luna a liderar a ação, alcançou outro nível de respeitabilidade, sem bengalas fofinhas e marketing omnipresente. É uma série brilhante na execução, que estima a aventura enquanto linguagem sóbria e calibrada, recusando subtilmente a simples vénia ao mundo criativo em que se insere. Ou seja, a liberdade passa, de facto, pela essência desta grande produção.