Cultura
01 dezembro 2021 às 12h56

Escritora Alice Sebold pede desculpa ao homem ilibado da sua violação

Anthony Broadwater passou 16 anos na prisão enquanto "Sorte", o livro de memórias que a autora norte-americana escreveu sobre o ataque, lançou a sua carreira.

DN/AFP

Alice Sebold, autora do romance Visto do Céu que foi adaptado ao cinema por Peter Jackson, pediu desculpas a um homem negro que passou 16 anos na prisão pela sua violação em 1981 e que foi ilibado na semana passada.

"Quero dizer a Anthony Broadwater que sinto realmente muito e que lamento profundamente o que passou", escreveu Sebold, cujo livro Sorte descreve o ataque traumático que sofreu quando tinha 18 anos.

"Lamento acima de tudo pelo facto de a vida que poderia ter levado lhe tenha sido injustamente roubada e sei que nenhuma desculpa pode mudar o que lhe aconteceu nem nunca mudará", acrescentou a autora, agora com 58 anos, num comunicado.

Broadwater, de 61 anos, sempre defendeu a sua inocência, mas foi condenado em 1982 pela violação, tendo passado 16 anos atrás das grades. Segundo um comunicado divulgado pelos seus advogados, Broadwater disse sentir-se "aliviado por ela ter pedido desculpas".

Pouco depois da sua libertação, em 1999, foi publicado Sorte, o livro de memórias em que Sebold descreve o ataque brutal que sofreu quando estava no primeiro ano da Universidade de Syracusa, no estado de Nova Iorque. O livro vendeu mais de um milhão de exemplares e lançou a carreira da autora, mas diante das revelações deixará de ser distribuído até as alterações necessárias serem feitas.

Sebold, cujo bestseller Visto do Céu também lida com as questões dos ataques sexuais, disse que estava "grata por Broadwater ter sido finalmente ilibado". Mas, acrescentou, "o facto é que há 40 anos ele se tornou noutro jovem negro brutalizado pelo nosso sistema jurídico imperfeito. Lamentarei sempre o que lhe foi feito".

Cinco meses após Sebold ter denunciado a violação à polícia, Broadwater foi detido depois de ela ter passado por ele na rua e o ter identificado como possível atacante, segundo os media norte-americanos.

A autora não o conseguiu identificar depois na esquadra, entre vários outros possíveis suspeitos, mas Broadwater foi julgado na mesma e condenado com base principalmente no relato de Sebold e na análise de um cabelo, que se revelou mais tarde defeituosa.

"O meu objetivo em 1982 era justiça, não perpetuar a injustiça. E certamente não para sempre e de forma irreparável alterar a vida de um jovem pelo crime que alterou a minha", escreveu Sebold.

A decisão de revogar a condenação de Broadwater ocorreu na semana passada em Nova Iorque, depois de uma nova análise ao caso detetar sérias falhas na acusação da altura.

Tudo aconteceu depois de um produtor, que estava a trabalhar na adaptação ao cinema de Sorte, ter levantado dúvidas sobre a história e ter contratado um investigador privado. "Algumas coisas pareciam-me pouco comuns no sistema de justiça americano, especialmente o facto de ela ter identificado a pessoa errada como o seu atacante na esquadra mas eles terem-no julgado da mesma forma", disse Timothy Mucciante ao programa "Today", da BBC.

Depois de ter discutido o tema com outros membros da equipa, foi-lhe dito que tudo tinha sido revisto pelos advogados e estava tudo bem. Mas ele acabaria por ser afastado do filme, tendo contactado o investigador privado que menos de dois dias depois já estava convencido de que tinha havido um erro.

Na sua mensagem a Broadwater, Sebold disse: "Espero acima de tudo que você e a sua família tenham o tempo e a privacidade para sarar."

Broadwater falou publicamente do estigma e isolação que sofreu por ter estado na lista de agressores sexuais durante quase quatro décadas.

"Nas minhas duas mãos consigo contar o número de pessoas que me acolheram nas suas casas e jantares e não ultrapasso os dez", disse ao The New York Times. "Isso foi muito traumático para mim".

Por seu lado, Sebold lembrou que terá também que lidar com o facto de o seu violados, que com toda a probabilidade nunca será identificado, poderá ter violado outra mulheres e certamente nunca cumprirá a pena de prisão que Broadwater cumpriu.

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