Cultura
15 agosto 2022 às 22h06

Arquitetura racionalista portuguesa torna-se tema de tese na Roménia 

Durante os seus oito anos como diretor-adjunto do Instituto Cultural Romeno em Lisboa, Gelu Savonea foi descobrindo a arquitetura de Portugal e avançou com um doutoramento em que têm lugar figuras como Pardal Monteiro e António Ferro.

Já depois de ter defendido a sua tese de doutoramento em Bucareste, sobre a arquitetura racionalista em Portugal, o arquiteto romeno Gelu Savonea esteve uns dias em Lisboa e enviou-me uma fotografia junto ao edifício histórico do DN na Avenida da Liberdade. Um cumprimento ao jornalista que ali trabalhou mais de duas décadas, mas sobretudo uma homenagem a Porfírio Pardal Monteiro, o arquiteto que concebeu o prédio e que é figura central na tese de Savonea, intitulada Racionalismos do sul europeu. O caso de Portugal (Rationalisme ale sudului european. Cazul Portugaliei, no original romeno, o que mostra o parentesco entre as duas línguas latinas, apesar de faladas por dois povos em extremos opostos da Europa.

Hoje edifício residencial, mas mantendo intacta a traça que lhe valeu o prémio Valmor de 1940, a antiga sede do DN teve um destino totalmente diferente de outro emblemático projeto de Pardal Monteiro, a sede da Ford Lusitana, situada na rua Castilho, em Lisboa, mas entretanto demolida e que Savonea, que foi diretor-adjunto do Instituto Cultural Romeno em Lisboa entre 2013 e 2021, escolheu para fotografia a ilustrar o convite para a defesa da tese, que aconteceu em junho deste ano na Universidade de Arquitetura Ion Mincu de Bucareste. O orientador foi o arquiteto e professor catedrático Sorin Vasilescu, autor de uma trilogia sobre a arquitetura totalitária (na Itália fascista, na Alemanha nazi e na União Soviética) e também de uma monumental História da Arquitetura Moderna, em que surgem referências às construções durante o Estado Novo.

Foi a partir das relações da arquitetura romena com a italiana e da arquitetura italiana com a portuguesa que Savonea começou a investigar a relação, pouco estudada até então, entre as arquiteturas portuguesa e romena. E entusiasmou-se com nomes como Cottinelli Telmo (Padrão dos Descobrimentos e Estação Fluvial Sul e Sueste em Lisboa), Jorge Segurado (Casa da Moeda), Keil do Amaral (FIL) ou Adelino Nunes (Estação Central dos Correios de Lisboa)

Como conta o próprio Savonea em testemunho que o DN também publica, a apoiar todo esta arquitetura racionalista (parte do movimento modernista) esteve sempre António Ferro, do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN, depois SNI, ou Secretariado Nacional de Informação). Figura avessa a catalogações fáceis, o antigo jornalista estrela do DN, entrevistador de Hitler, Mussolini, Jean Cocteau ou Ortega y Gasset e autor de reportagens mundo fora, revelou-se sempre um promotor do modernismo em Portugal, procurando que este não entrasse em choque com o conservadorismo do regime de Salazar.

Professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, e membro do júri que avaliou o diplomata romeno fluente em português, António Castelbranco sublinha em declarações ao DN, que "a tese de Doutoramento do arquiteto Gelu Savonea apresenta-nos os momentos chave do racionalismo na arquitetura portuguesa - entre 1925 e 1960 e, é de grande relevância por 2 razões: a primeira porque faz um levantamento e uma análise de um período importantíssimo para a nossa arquitetura - sendo um trabalho feito por um arquiteto estrangeiro mas com um enorme conhecimento da nossa cultura; a segunda, por despertar a nossa própria curiosidade abrindo assim as portas para futuras pesquisas sobre paralelos entre a arquitetura racionalista portuguesa e a sua homóloga romena". E acrescenta o arquiteto Castelbranco: "com efeito, eu diria que a herança do racionalismo português está na génese da arquitetura portuguesa de hoje - que nas últimas décadas, tem sido numerosas vezes premiada internacionalmente".

leonidio.ferreira@dn.pt