Cultura
31 julho 2021 às 05h00

"Adorei que a Ratcatcher fosse portuguesa e que pudesse manter o meu sotaque"

Daniela Melchior, a surpreendente protagonista de O Esquadrão Suicida, de James Gunn, mostra novamente que os atores portugueses estão em alta no panorama internacional do cinema. Quinta-feira chega o mais insano e delirante blockbuster dos últimos anos.

Por um acaso um agente na América viu Parque Mayer, de António-Pedro Vasconcelos e ficou de olho em Daniela Melchior. Por um outro acaso, houve uma self-tape (casting auto-gravado) que foi parar às finalistas para o papel de Ratcatcher 2 no novo The Suicide Squad/ O Esquadrão Suicida. De repente, por acaso ou não, esta rapariga da Margem Sul de Lisboa é uma das protagonistas do maior filme de Verão da Warner, ao lado de Margot Robbie, Sylvester Stallone, Viola Davis ou Idris Elba.

Esta Daniela Melchior ou é a miúda mais sortuda do mundo aos 24 anos ou tem qualquer coisa. Se a segunda hipótese era algo que não se percebia nas novelas da TVI ou na pequena participação em O Caderno Negro, produção de Paulo Branco dirigida por Valeria Sarmiento, agora o talento é flagrante. A atriz portuguesa rouba todas as cenas ao lado de John Cena, Idris Elba ou do tubarão de Stallone. Uma super-vilã com o poder de controlar ratazanas que se torna heroína num espetáculo de super-heróis que reinventa a fórmula DC Comics e coloca estas personagens de super-vilões em missão do Estado americano num dispositivo de insurreição extrema e com humor com surrealismo pop, ou não fosse realizado e escrito por James Gunn, cineasta que deu fôlego série B à Marvel nos filmes da franquia Guardiões da Galáxia.

Além da presença protagonista de Daniela, Portugal também entra na história com uma surpresa com Taika Waititi ao barulho. De Los Angeles via telefone, a nova estrela de Hollywood abriu o livro sobre este seu conto de fadas.

Como conseguiu este papel com uma self-tape, perguntava qual o segredo para uma destas gravações perfeita?
Diria que menos é mais! Diria também para dispensarem objetos, sobretudo se não forem muito importantes para a cena. Para as atrizes, também cuidado com a maquilhagem: menos é mais... Mas o essencial é ter muito bem presente o texto e tudo estar bem estudado, ou seja, não inventar. O que conta é a nossa versão, a nossa interpretação.

Depois de já ter visto o filme e de ter percebido que as reações são boas (no barómetro dos críticos americanos o Rotten Tomatoes chegou a atingir 100% de críticas favoráveis), sente que tudo isto é um conto de fadas? A Daniela ainda se belisca?!
Ainda não me caiu a ficha! Na altura, no primeiro dia em que conheci o James Gunn e todos aqueles atores, não estava a perceber toda a dimensão do projeto. Já vi o filme duas vezes e ainda não percebi o que me está a acontecer! Creio que é bom continuar com essa inocência...

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E como é que aconteceu isso da sua Ratcatcher ser portuguesa?
Na verdade, o James Gunn queria que a personagem tivesse a nacionalidade da atriz. Antes de mim, tinha pensado numa francesa e, mais tarde, numa latina. Adorei que a Ratcatcher fosse portuguesa e que pudesse manter o meu sotaque.

Estar num grande blockbuster de Hollywood já está a produzir efeitos práticos de outras propostas?

A meio da rodagem assinei com a agência de atores CAA e tive logo uma equipa de três agentes a tratar de mim! Já comecei a receber muitas propostas. Posso dizer que já aceitei alguns filmes mas ainda não é nada oficial. Sem o filme estrear já estou com trabalho nos EUA neste e no próximo ano...

E como é que uma jovem da Margem Sul tem agora a responsabilidade de ser um ídolo para os mais jovens em todo o mundo?
Para mim é muito bom. Tenho andado a pensar muito e isto que me está a acontecer mostra que o importante não é andar nas melhores escolas, ter os melhores contactos e assim... A verdade é que tirei o meu curso profissional numa secundária em Almada. Em castings, em Portugal, perguntavam-me se tinha andado no Conservatório ou na Escola do Teatro de Cascais... Nada disso me impediu de ter ido para fora! Gosto de sentir que sou um exemplo para os jovens da Margem Sul e de perceber que a vida não se baseia nos mestrados e em andar nas melhores escolas.

E será que é uma espécie de statement, recado seu, o facto de logo a seguir a ter sido a Ratcatcher, entrar como protagonista num produto de ficção da TVI, Pecado?
Nunca foi uma ambição minha fugir de Portugal. Aliás, nunca quis ambicionar nada, o que gosto é de representar. Faço questão de dizer que a minha porta em Portugal continua aberta. O importante é ter desafios interessantes.

Já sonhou com um filme, um spin-off apenas da Ratcatcher?
Claro que sim! E alguns desses sonhos foram lúcidos mas os fãs é que mandam! Estou muito curiosa para saber como é que as pessoas vão reagir à personagem...

Está desde a semana passada nos EUA a fazer entrevistas em formato maratona... Como é que se lida com tanta imprensa e atenção?
Lida-se muito bem! Sou muito sortuda pois estou a falar sobre algo do qual me orgulho muito. A mim sabe-me bem sobretudo as entrevistas em que estou ao lado dos meus colegas atores. Sabe tão bem revê-los. De todos, se calhar aquele com quem tive mais conexão, foi o Idris Elba.

E teve a noção de que estava a fazer um filme de super-heróis com algo de transgressivo? Quase um filme de super-heróis para quem não gosta de super-heróis...
O James Gunn faz bons filmes, ponto final. Não interessa se o espectador conhece ou não as histórias da BD ou se viu outros filmes da DC... Quem não é fã deste universo vai adorar esta viagem alucinante.

dnot@dn.pt

Tópicos: Cinema, Cultura