Adam Driver: “Não consigo perceber porque Michael Mann pensou em mim para Ferrari!”
Michael Mann disse publicamente que já encontrou pessoas que pensam que o Adam é italiano. Depois de Casa Gucci, de Ridley Scott, onde interpretava Maurizio Gucci, como é que alguém tão americano está a ficar tão italiano?
Isto é uma cena mental para a qual sempre lutei!! Acho que posso responder melhor a qualquer pergunta ou referência sobre a cultura italiana do que um italiano... Estou a brincar! Mas é uma cena que aconteceu meio por acaso. Cheguei a ter pensamentos de dúvida se iria fazer Casa Gucci, mas a verdade é que fiz estes filmes devido ao nome dos realizadores. Ridley Scott e Michael Mann ambos tinham projetos em Itália - é o que é!
Era incapaz de dizer não?
Não é bem assim. Bem, se não me identificasse ou se não achasse excitante qualquer um destes projetos, dizia mesmo não. Neste caso, quis fazer Ferrari com o Michael Mann porque pude trazer uma ideia minha para a personagem. Ainda assim, não consigo perceber porque pensou em mim para este filme. O que se passou é que achei o argumento tão bom que percebi logo aquilo que poderia fazer com o papel, senti que iria encontrar o caminho certo. O Michael estava com muitas certezas.
O que o fez ficar tão motivado nesta história?
O facto de a dor e do luto serem o combustível de tudo o que se passa. Gostei muito da maneira como está explorada a dinâmica de Ferrari com as mulheres da sua vida, todas elas muito diferentes entre si. E este Ferrari é como um pato: muito calmo à superfície e capaz de projetar poder e autoridade, mas no interior alguém que está furiosamente a chapinhar. Foi um desafio interpretar alguém tão diferente de mim, com uma origem cultural oposta à minha, apesar do seu passado de classe trabalhadora ter sido um ponto de contacto. O meu avô também foi um operário do metal. Tal como ele, nunca me intimidei com pessoas vindas da riqueza e do poder. Enzo é o verdadeiro selfmade man, isso foi muito atraente e desafiante, tal como convocar todo o seu carisma iconográfico.
Cresceu no Indiana, longe das elites culturais, depois foi militar, marine... Agora, está aqui no Festival de Veneza, é uma estrela de cinema, trabalha com os maiores cineastas do mundo, de Jim Jarmuch a Noah Baumbach, passando por Martin Scorsese ou Leos Carax. Tem parado para refletir sobre tudo isto?!
Sim, tudo muito surreal. A maior parte da minha família nunca viajou para fora dos EUA. Estou a dar entrevistas em Veneza, no Cipriani, a beber café, enfim... isto não é a minha experiência natural. Será que isto está certo? Ai! Acho que nada disto é lícito. Tudo isto é tão estranho! Para um tipo como eu, do interior da América, poder estar num filme já é algo inacreditável... Aliás, qualquer pessoa que ganhe a vida a trabalhar como ator já está a concretizar um milagre. Nunca imaginei estar a trabalhar com aqueles que, na verdade, fizeram com que quisesse ser ator! Ser dirigido pelo Michael Mann é mesmo surreal! Podemos ter uma ideia sobre estes génios do cinema mas depois, quando os conhecemos, não deixam de ser cineastas muito únicos. No que toca ao meu percurso, não sei se é bom refletir muito sobre isto mas fazer de vez em quando uma análise interior não deixa de ser saudável. Por outro lado, tento ter uma relação de distância com toda esta insanidade.
Tem dito que trabalhou com um mestre, sobretudo da técnica de filmar e de todo o seu perfeccionismo. Apetece perguntar como foi trabalhar com alguém que escolheu colocar a câmara tão lá em cima? O Michael Mann filma muitas vezes o constante movimento de Enzo Ferrari num plano superior.
Eu neste filme estou sempre em movimento. Outra coisa incrível é a relação dele com as cores, veja-se a maneira como quis saturar os negros. Ouvia-o muitas vezes a dizer que queria ver mais as minhas pupilas, não para ficar bonitinho mas apenas para captar a dimensão da personagem. Tem tudo a ver com a primazia das personagens. Há muitos novos cineastas que só querem que o filme fique com bom ar visual, com o Michael é o conteúdo que é fulcral. O Michael apenas se interessa pelas personagens e por tudo aquilo que lhes pode dar ênfase. Sempre foi assim: olhemos para O Último dos Moicanos, o casal não tem muito tempo para o romance, mas, de certa maneira, olhamos para ali e percebemos toda a atração e o seu imediatismo, em especial o facto de todo aquele ambiente obrigar as pessoas a comportarem-se de forma assim tão impulsiva. A vida ali é muito frágil e nós, os espectadores percebemos tal coisa sem diálogos. O Michael consegue esse efeito através da fotografia.