A musa de Virginia Woolf que inspirou Orlando

O caso amoroso de Vita-Sackville West e Virginia Woolf deu um desinspirado filme de época. Em estreia nas salas portuguesas.
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Escritoras em experiências socialmente transgressivas: eis um tópico bastante atrativo para o cinema e condizente com o ar do tempo. No ano passado enchemos o olho com o guarda-roupa de Colette, um biopic protagonizado por Keira Knightley que mostrava as aventuras boémias da escritora francesa com mulheres, agora chega-nos Vita & Virginia, o caso verídico da relação amorosa entre Virginia Woolf e a socialite e poetisa Vita-Sackville West, sob a vigilância dos maridos... Desde já, a primeira coisa que liga estes dois filmes não é propriamente o seu tema, mas a incapacidade de fazer, pelo menos, um sugestivo retrato das envolvidas.

Baseado na correspondência entre as duas autoras e numa peça teatral da atriz britânica Eileen Atkins (que coassina o argumento), Vita & Virginia, de Chanya Button, é um pálido e afetado olhar de época sobre o encontro de duas almas distintas que se complementaram num vínculo digno de inspiração literária. Tanto assim foi que esse "episódio Vita" passou da vida para a página: é ela a grande musa do romance biográfico Orlando (1928), que Woolf escreveu numa espécie de febre do momento, procurando guardar a pele desta mulher-homem num livro, para se libertar do seu mais profundo desejo humano.

Isso mesmo se vê no filme, que na Londres dos anos 1920 ensaia o espírito boémio do meio cultural, onde uma curiosa, insinuante e aristocrática Vita-Sackville West (Gemma Arterton) se lança na procura do rasto físico daquela que já a fascinava pela prosa. Por sua vez, Virginia Woolf (Elizabeth Debicki), um ser que combina fragilidade psicológica com qualquer coisa de postura etérea, deixa-se levar, a medo, pelos encantos de Vita, ao mesmo tempo que se descobre a si mesma no trilho de uma paixão sinuosa. Há nesta experiência da carne a tal consequência concreta e erudita: Orlando foi o romance que colocou Woolf no patamar de uma popularidade que até então não tinha, e é uma das mais ilustres obras da literatura do século XX. Foi o que ficou desta turbulência afetiva.

Apesar do elenco apreciável - Debicki capta muito bem o enigma dorido de Woolf, Arterton é vivaça, mas por vezes um pouco irritante no snobismo inglês, e temos ainda um desperdiçado papel de Isabella Rossellini como mãe de Vita -, o filme não passa do tom amarelado de uma folha antiga. Aliás, o facto de muitas sequências assentarem na leitura das cartas que escreviam uma à outra, simulando-se o ato da escrita, torna ainda mais maçadora a abordagem, em busca de um expressão íntima que nunca chega a tomar forma. Nota-se que Chanya Button tenta compensar esse mofo estilístico com o traço contemporâneo da banda sonora de Isobel Waller-Bridge, mas isso é inglório quando nada funciona com o mínimo de elegância. Até um tosco "realismo mágico" que consiste em nascerem espontaneamente heras nas paredes, para dar conta, em algumas cenas, dos distúrbios emocionais de Woolf, entra na coleção de más opções formais e narrativas. Quando muito, Vita&Virginia viverá como uma ideia no papel. No grande ecrã não respira lá muito bem...

* Medíocre

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