A flagrante vitória de Susana Nobre
Numa seleção com naturais equívocos, a vitória na competição nacional só poderia ter ido para No Táxi do Jack, de Susana Nobre, um híbrido entre encenação e registo do real de um motorista de táxi que volta dos EUA para a zona de Vila Franca de Xira. Um filme polvilhado pela referência de humor estilizado de Aki Kaurismaki. O prémio de melhor realização foi para Simon Chama, de Marta Sousa Ribeiro, a história de um adolescente a ficar adulto num subúrbio de Lisboa. Um drama com extensão temporal à Boyhood, de Richard Linklater. O filme tinha já passado de forma algo anónima no Festival de San Sebastián, em 2020.
Na competição internacional, o natural favorito Nous, de Alice Diop, ficou de mãos a abanar. Os jurados prefiram dar a vitória ao cinema documental de Rosine Mbakam, com Les Prières de Delphine. No comunicado de justificação, o júri declarou: "o filme inscreve-se numa importante linhagem de não-ficção feminista, pedindo-nos que escutemos uma mulher a narrar a sua vida com posse sobre a sua história e dignidade". O mesmo júri deu o prémio especial a The Inheritance, documentário sobre a libertação negra realizado por Ephraim Asili. Um prémio que significa os direitos de passagem em Portugal pelos canais TVCine.
O que fica de um festival que continua a sua radicalização de formas? Um festival cuja linha de programação está cada vez mais na experiência e na disrupção das formas narrativas? O IndieLisboa 2021 demorou mais dias do que o habitual (termina amanhã, dia 7 de setembro) e fez a passagem entre as férias e o rentrée mas talvez sem grandes respostas sobre as suas próprias inquietações e propostas.
Mesmo com polémicas nas redes sociais sobre formalismos transcendentais e afins, foi uma edição que revelou nomes no cinema nacional e confirmou outros. Os corpos tristes e desencantados na noite de Lisboa de Silvestre, curta de Rubén Gonçalves, ou o estado catatónico de uma geração de lisboetas em Catatonia, de Tiago Rosa-Rosso, foram marcas ou impressões fortes das curtas nacionais. Imagens que não saem facilmente da cabeça. Mas há também melodias que se impregnaram, como o choro samba dos idosos cariocas de Paraíso, o documentário de Sérgio Tréffaut que fez parte da sessão oficial de entrega dos prémios. Não é o melhor filme do brasileiro radicado em Portugal, mas não deixou de ser um trunfo de um festival que teve na antestreia de Vierarpad, de João Mário Grilo outro dos seus pontos altos. O realizador de A Falha a filmar com devoção a pintura de Arpad e Vieira da Silva mas sobretudo a não largar um ideal romântico. É um filme que poderá ser um enorme sucesso de público, sobretudo para quem ama o casal em questão. E são muitos...
De registar ainda a ausência no palmarés de What do We See When We Look at The Sky?, de Alexandre Koberidze, no qual se convoca uma pureza na aventura do cinema, em especial como uma câmara decanta uma cidade, Kutaisi, recanto na Georgia onde se sente a magia das atrações românticas, do amor pelo futebol e da sapiência dos cães de rua. Desde a última edição de Berlim que se tornou num dos casos de culto, provavelmente um dos grandes filmes do ano.
No que toca ainda ao palmarés, registo para o prémio de melhor curta-metragem nacional para Daniel Soares, com O Que Resta. Enquanto isso, o prémio do público foi para Au Coeur du Bois, de Claus Drexel, já anunciado para o próximo Queer.
Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa:
LES PRIÈRES DE DELPHINE
Rosine Mbakam, Bélgica / Camarões, doc., 2021, 91"
Prémio Especial do Júri Canais TVCine:
THE INHERITANCE
Ephraim Asili, EUA, doc. / fic., 2020, 101"
Grande Prémio de Curta-Metragem Betclic:
KEEP SHIFTIN"
Verena Wagner, Alemanha, doc., 2020, 21"
Prémio Melhor Curta de Animação:
THANK YOU
Julian Gallese, Reino Unido, anim., 2020, 8"
Prémio Melhor Curta de Documentário:
À LA RECHERCHE D"ALINE
Rokhaya Marieme Balde, Suíça /Senegal, doc., 2020, 27"
Menção Honrosa:
Y"A PAS D"HEURE POUR LES FEMMES
Sarra El Abed, Canadá, doc., 2020, 19"
Prémio Melhor Curta de Ficção:
COME HERE
Marieke Elzerman, Bélgica, fic., 2020, 26"
Menção Honrosa:
LONELY BLUE NIGHT
Johnson Cheng, EUA, fic., 2020, 15"
Prémio para Melhor Longa-Metragem Portuguesa:
NO TÁXI DO JACK
Susana Nobre, Portugal, doc. / fic., 2021, 70"
Prémio de Melhor Realização para Longa-Metragem Portuguesa
SIMON CHAMA
Marta Sousa Ribeiro, Portugal, fic., 2020, 84"
Prémio Dolce Gusto para Melhor Curta-Metragem Portuguesa:
O QUE RESTA
Daniel Soares, Portugal, fic., 2021, 20"
Prémio Novo Talento The Yellow Color :
THE SHIFT
Laura Carreira, Reino Unido / Portugal, fic., 2020, 9"
Prémio Novíssimos Betclic:
(anunciado previamente numa cerimónia especial no dia 3 de Setembro na Casa do Capitão)
HUNTING DAY
Alberto Seixas, Portugal, fic., 2020, 3"
Prémio Silvestre para Melhor Longa-Metragem:
BY THE THROAT
Effi & Amir, Bélgica, doc., 2021, 75"
Menção Honrosa:
FOREST - I SEE YOU EVERYWHERE
Bence Fliegauf, Hungria, fic., 2021, 112"
Prémio Silvestre para Melhor Curta-Metragem:
ONE IMAGE, TWO ACTS
Sanaz Sohrabi, Canadá / Alemanha / EUA / Irão, doc. / exp., 2020, 45"
Menção Honrosa:
PALMA
Alexe Poukine, França / Bélgica, fic., 2020, 40"
Prémio IndieMusic (EX-AEQUO):
SISTERS WITH TRANSISTORS
Lisa Rovner, Reino Unido / França, doc., 2020, "84
NUEVE SEVILLAS
Pedro G.Romero e Gonzalo García Pelayo, Espanha / França, doc., 2020, 158"
Prémio Amnistia Internacional:
RADIOGRAPH OF A FAMILY
Firouzeh Khosrovani, Irão / Noruega / Suíça, doc., 2020, 80"
Prémio Árvore da Vida para Filme Português:
SOPRO
Pocas Pascoal, Portugal, doc., 2021, 43"
Prémio do Público Longa-Metragem:
AU COEUR DU BOIS
Claus Drexel, França, doc., 2021, 90"
Prémio do Público Curta-Metragem:
T"ES MORTE HÉLÈNE
Michiel Blanchart, Bélgica, fic., 2020, 24"
Prémio do Público IndieJúnior:
TINTA
Erik Verkerk e Joost van den Bosch, Países Baixos, anim., 2020, 2"
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