A delicadeza da estrela da morte
Outro filme para nos confrontar (ou reconfortar) perante a aceitação da morte, logo depois de Blackbird - A Despedida, de Roger Michell. Harry Macqueen, cineasta britânico, assina esta história sobre um casal de dois homens a lidar com uma doença terminal de um deles. Tusker e Sam, um americano e um inglês. Tusker é escritor e é aquele a quem foi diagnosticada demência severa precoce, enquanto Sam é um reputado pianista que jurou cuidar do seu companheiro. Numa viagem de autocaravana pela paisagem rural inglesa, este casal tenta encontrar um sentido para a tragédia, ao mesmo tempo que visitam a família numa espécie de despedida. Para Tusker a decisão de não deixar a doença prosseguir é inabalável, a eutanásia é o seu objetivo. Durante a viagem somos testemunhas de pequenos avanços dos sintomas. Enquanto isso, Sam, apesar de prometer acatar a decisão do companheiro, tenta agarrar-se ao presente com todas as forças que tem.
A grande vitória desta pequena produção britânica é não fazer bandeira em assumir a meia-idade destes homens como "tema", interpretados sublimemente por Stanley Tucci e Colin Firth. Não é todos os dias que temos um poster com dois homens gay de meia-idade num filme que lida com questões de demência. Supernova, felizmente, é mais uma história de amor. Um conto de amor incondicional que relata os pequenos nadas e silêncios de uma relação de 20 anos, entre cumplicidades, gestos de ternura e desentendimentos de rotina.
Supernova é também sobre fazermos o luto ou não de quem ainda está vivo. Uma odisseia sobre a maneira como poderá ser digna uma despedida da vida. Apesar do seu tom muito pesado e duro, é ainda um filme que não procura empolar nada a vertente trágica. Nesse sentido, as suas coordenadas melodramáticas parecem até sugerir uma suavidade de tom. Harry Maqueen denota ser um cineasta que aposta em efeitos de contenção e no poder de diálogos concisos e realistas. Não é, portanto, a escola do "filme de doença" para nos fazer ter pena das personagens, neste casal interessa-nos sempre mais as questões relacionadas com as suas memórias e a forma como amamos ou nos fechamos nas nossas dores. Além do mais, os tempos dramáticos são muito peculiares e em sintonia com a própria respiração pausada dos atores. Stanley Tucci não força nada e Colin Firth é de uma secura que inclui uma sofisticação muito rara. E é aí que este "derrama-lágrimas", o chamado tearjerker, mostra a tal contenção, chegando muitas vezes a ter uma elevação ética muito acima da média.
Mesmo falando da doença e dos seus efeitos devastadores em quem a sofre e nos que convivem indiretamente com ela, Supernova nunca perde a sua delicadeza melodramática. É claro que nos põe em sentido com a finitude dos nossos dias, mas também tem qualquer coisa que nos apazigua. E se é verdade que Sam e Tusker ao olharem para as estrelas estão a refletir sobre as grandes questões, é na sua singeleza das pequenas coisas, como um mero abraço ou carícia, que encontram o equilíbrio da vida perante a morte. Um filme cósmico pode ser assim... A vida e a morte estão aqui tão próximas.
dnot@dn.pt