A crise existencial de Natalie Portman

Natalie Portman dá vida a uma astronauta que se tornou notícia depois da ressaca de uma viagem espacial. <em>Lucy in the Sky</em> chega aos clubes de vídeo sem nunca ter estreado em Portugal. Pequena surpresa que reflete sobre o desvio moral numa América dos bons comportamentos.
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O que acontece quando alguém volta do espaço? Depressão pós-espacial? É bem provável, pelo menos é essa a crença de Lucy in the Sky, de Noah Hawley, baseado na incrível história real de Lisa Nowak, uma astronauta detida após tentar raptar uma colega e vítima de danos psicológicos.

O filme de Hawley nunca vai atrás dos factos verídicos e do apelo da espuma do escândalo, inspira-se apenas no "fait-divers" para criar um complexo retrato de uma mulher. Lucy é uma versão imaginada de Lisa, alguém que fica com dificuldade em adaptar-se ao mundo real depois de ter sentido uma experiência cósmica quando viu de cima o planeta. Uma mulher suplantada por uma beleza e sensação capazes de transformar. De repente, quando enfrenta o marido, a sua filha adolescente e a banalidade do quotidiano tudo parece pequeno.

Natalie Portman é uma mulher a descascar a pele do modelo da heroína americana, bem casada e subserviente. Depois do êxtase espacial quer outras experiências para além do dever de engravidar pela segunda vez ou dos churrascos em família, quer por exemplo fazer noitadas com o pessoal da NASA e experimentar ter um caso com um astronauta mais sénior. Acima de tudo, está obcecada em voltar lá a cima, a tal ponto que o seu comportamento "off" começa a dar nas vistas.

O que é inquietante neste drama psicológico é tentar perceber se Hawley está a encenar um relato de emancipação feminina ou a contar um caso de insanidade. O trunfo do filme é essa zona cinzenta, algo que vai tornando o filme num conto assustador. Trata-se de uma identificação feminina nos limites e onde Natalie Portman é vital para dar vida real a esta mulher em libertação interior. Uma libertação que, a dada altura, descarrila - na verdade, é o caso de alguém que nunca desceu à terra e que explode perante a "pequenez" do "american way of life", aquele que limita o espaço de explosão de uma mulher. Mas se a parábola ao machismo americano é evidente (não é por acaso que mal a astronauta dá sinais de stress, o amante arranja logo outra namorada mais jovem), também está exposta uma sociedade conservadora e impiedosa para todos aqueles que sonham "larger than life". Lucy in the Sky é, em certo sentido, um ensaio sobre a pequenez da América dos sonhos conformes.

Não seria, claro, o mesmo filme sem a respiração ofegante de Natalie Portman num papel que a obriga a uma expressão física garrida e incandescente. Uma interpretação que terá ficado o ano passado à porta do calendários dos prémios devido à divisão que o filme causou na crítica americana.

Importa ainda referir que a realização de Hawley (conhecido pela versão televisiva de Fargo) aposta e bem em detalhes estéticos que nos deixam sob "influência", nomeadamente na medida do "ratio" do ecrã (4:13 quando a personagem se sente com menos "espaço"). Um tamanho que diminui e aumenta consoante as situações, um dispositivo capaz de nos deixar mais imersos na crise existencial desta astronauta.

Os Beatles não estão explicitamente na banda-sonora mas o tema Lucy in The Sky interpretado por Jeff Russo e Lisa Hannigan dá o mote de psicadelismo justo para esta história de heróis caídos numa América "normalizada". Filme que reexamina o imaginário do espaço como vertigem de abstração e de desejo sexual. Afinal, quem somos nós perante a grandeza do universo?

*** Bom

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