A América de ninguém

<em>Uma Nova Vida</em>, com Ethan Hawke, é uma das novidades nos clubes de vídeo caseiros. Uma boa surpresa que, incrivelmente, não chegou aos cinemas portugueses. A história de um homem sem nada que descobre um bebé no lixo.
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Na América é possível adoptar autoestradas mas é altamente improvável alguém poder ficar com um bebé que encontre num caixote do lixo. Em Adopt a Highway/Uma Nova Vida, de Logan Marshall-Green, o ponto de partida é um encontro inusitado entre uma bebé recém-nascida e Russell (um sereníssimo Ethan Hawke), um empregado de uma casa de "junk food". Russell, ex-presidiário que acabou de cumprir pena de 20 anos e que nem tem conta de e-mail - a primeira coisa que pesquisa no google é se alguém pode ficar com um bebé abandonado.

Para Russell, a menina que cai nas mãos é uma espécie de sinal divino para uma vida sem rumo - não conhece ninguém em toda a Califórnia, descobre que o seu pai morreu e está proibido de viajar por ainda estar sob liberdade condicional. Quando é obrigado a entregar a menina que preencheu o coração decide agir, mesmo que tenha que para isso tenha de fugir da polícia. A partir daí, o filme transforma-se num "road-movie" que visita a América profunda.

Logan Marshall-Green, ator secundário que os mais cinéfilos repararam em Prometheus ouHomem-Aranha- Regresso a Casa, assina um melodrama íntimo e subtil sobre segundos atos. A personagem de Ethan Hawke vive num silêncio solitário que é metáfora da América dos "falhados", alguém destruído por um sistema judicial que o colocou com pena longa por apenas traficar drogas leves. Uma vítima que descobre uma luz através do sorriso de uma bebé atirada para um contentor de lixo. Mas Marshall-Green não quer fazer um conto de solidariedade ou de exposição de miséria, prefere antes deixar fluir um propósito de encenar uma redenção interior, sem açambarcamentos emotivos nem explosões de peripécias. A segunda vida deste homem passa para o ecrã como uma balada muito melancólica e sempre em tom "low key".

O encanto muito particular do filme passa também pela interpretação de Ethan Hawke, ator que "desaparece" numa composição muito contida. Um trabalho de detalhes no qual se privilegia uma inocência em sintonia com alguém que perdeu os seus melhores anos atrás das grades numa prisão de máxima segurança. Os momentos de cumplicidade com a bebé (interpretada por duas queridas gémeas) são comoventes sem serem manipuladores. Aliás, é precisamente na sua secura emocional que o filme marca mais pontos.

Adopt a Highway, estreado no South By Southwest, não pretende ser mais do que uma pequena crónica da América de ninguém. Por vezes, certos filmes aguentam bem a sua espessura de "objeto simpático". Este é um desses casos, um melodrama "indie" sem os clichés "indie". Foi pena, muita pena, não ter encontrado espaço para estrear nas nossas salas - teria sido um prazer ver estas paisagens americanas num grande ecrã...

*** Bom

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