Das sombras da floresta tropical malaia emergiu em 2017 a notícia que aguardou 151 anos por confirmação. Uma equipa de biólogos da República Checa resgatava para a botânica a planta endémica que, até então, não saíra da remota descrição e ilustração do naturalista italiano Odoardo Becarri. Em 1866, o transalpino embrenhou-se nas selvas da ilha do Bornéu para catalogar novas espécies, contribuindo para os inventários botânicos daquela parte do globo. No solo húmido, Becarri percebeu uma planta solitária cuja existência se reveste de singularidade..A Thismia neptunis prescinde da fotossíntese para obter os nutrientes de que carece a partir de fungos existentes no solo. A lanterna-de-fadas, como comumente é apelidada, tem uma existência no subsolo, florescendo algumas semanas por ano e nem todos os anos. Quando o faz, a Thismia neptunis cai na categoria de excentricidade botânica. Assemelha-se a um inseto de tom caramelizado, apetrechado com um trio de antenas. Em 1878, ao descrever a sua descoberta nas montanhas da Malásia, faltou a Odoardo Becarri a prova física da existência da lanterna-de-fadas. A fotografia captada in loco em 2017 sublinhou a veracidade do achado..Prova de descoberta não faltou ao naturalista italiano, nascido em 1843, quando, em 1878, recolheu as sementes da planta que captaria nas décadas subsequentes a atenção de jardins botânicos, da Inglaterra à Alemanha e aos Estados Unidos. Nas florestas da ilha de Sumatra, Becarri deparou-se com uma "monstruosidade" do reino vegetal. A Amorphophallus titanum, produz uma floração que atinge os três metros de altura ao singrar de um caule subterrâneo com 80 kg, alcançando os 153 kg, como é prova o exemplar em mostra no Jardim Botânico de Edimburgo, na Escócia..Para chegar aos territórios inóspitos do sudoeste asiático, o italiano teve de estabelecer a Ocidente os relacionamentos que lhe franquearam as portas do Oriente. Becarri não o fez, contudo, no seu país natal onde estudou orientado pelo botânico, biólogo e micologista italiano Ugolino Martelli. Findos os estudos, o jovem naturalista rumou a Inglaterra para aprofundar conhecimentos no Royal Botanic Gardens, de Kew, arredores de Londres. Aí, Odoardo privou com o naturalista britânico Charles Darwin e talhou amizade com o tenente inglês James Brooke. A vida aventureira deste último valeu ao discreto italiano carta verde para deambular nas florestas tropicais dos territórios insulares do Índico e do Pacífico..A James Brooke, nascido próximo a Calcutá, Índia, no ano de 1803, não lhe satisfez os planos académicos que seu pai, juiz ao serviço da Companhia das Índias Orientais, lhe traçou em Inglaterra. Brooke abandonou os estudos para se alistar no exército particular da Companhia das Índias Orientais. Gravemente ferido, resignou à sua comissão, mas não se deu por vencido. Adquiriu uma embarcação, contratou tripulação e partiu rumo ao Bornéu em 1838. Aí, combateu a rebelião contra o Sultão do Brunei. Este, em reconhecimento a James Brooke entregou-lhe o território de Sarawak. Em 1841, o britânico Brooke iniciou a dinastia de Rajás Brancos em Sarawak, cujo reino duraria até 1946..A Odoardo, a amizade com James abriu-lhe as portas de Sarawak, do Brunei, da Malásia e da Papua-Nova Guiné. O italiano que se tornaria diretor do Jardim Botânico de Florença, inventariou a Oriente centenas de novas espécies vegetais e animais. É, contudo, a inevitável atração exercida pelo gigantismo da Amorphophallus titanum, a flor-cadáver devido ao odor putrefacto que exala, que promoveu o naturalista entre a comunidade científica. .O trabalho diligente dos jardineiros de Kew Gardens em torno das sementes da língua-do-diabo (assim também é apelidada a flor-cadáver) culminou em sucesso em 1885. O primeiro espécime floresceu em estufa, longe do seu território de origem, perante o olhar de incrédulos súbditos de sua majestade. Uma floração que reivindica igual porção de belo e fugaz. Não mais de 36 horas de flor, não raro após uma paciente década entre florações. Dos anos de 1885 a 2000, Kew assistiu a não mais de 50 florações da Amorphophallus titanum..Entretanto, nas margens norte-americanas do Atlântico, Nova Iorque também se rendeu à monstruosidade do reino vegetal. O Jardim Botânico, sediado no bairro do Bronx, anunciou a floração da sua flor-cadáver em 1937. Dois anos depois, a 6 de julho e face a nova floração, o município anunciou que a planta exótica passaria a ser a flor oficial do Bronx. Em 2000, as autoridades do bairro nova-iorquino despromoveram a Amorphophallus titanum, sucedendo-lhe como flor oficial o lírio-de-um-dia. O Bronx recusou-se a ter como sua flor representante um espécime que exala odor a morte como forma de atrair os insetos polinizadores..Em 1891, a publicação britânica Curtis"s Botanical Magazine dedicou um artigo de sete páginas ao titã do mundo vegetal, a flor-cadáver. A peça que detalhou as circunstâncias da descoberta do exemplar e a sua exposição em Kew Gardens, contou com as ilustrações da artista britânica Matilda Smith. Nascida em 1854, a ilustradora ganhou notoriedade ao representar com minúcia a flora da Nova Zelândia. No jardim botânico inglês, Matilda suportou por dois dias o odor pútrido da Amorphophallus titanum, enquanto lhe desenhava a efémera floração. Às páginas da Curtis´s Botanical Magazine, fundada em 1787 e ainda hoje publicada, a artista entregou mais de 2300 ilustrações numa colaboração que se estendeu de 1878 a 1923. Matilda morreu em Londres em 1926.