Filmado a partir de uma objetiva no início da década de 1930, o brasileiro morro do Corcovado ergue os seus mais de 700 metros de altura despido do perfil de betão que lhe talhou a imagem a partir de 1931. O Cristo Redentor é figura ausente do filme que a américo-canadiana Aloha Wenderwell rodou na América do Sul, na cidade do Rio de Janeiro, preâmbulo para se embrenhar na selva amazónica, no estado brasileiro do Mato Grosso. Antes, na travessia do Golfo do México, a caminho da aventura sul-americana, Aloha captara em imagem a violência do alto mar. A cineasta, também exploradora e aviadora, nascida em 1906, fez das vagas tropicais as protagonistas das primeiras cenas da pelicula sonora que apresentou mundialmente em 1934..The River of Death, filme de 32 minutos, levou ao ecrã as primeiras imagens em movimento do povo amazónico Bororo. Ao longo de seis semanas, Aloha e o marido Walter Wenderwell, captaram o quotidiano de uma população a habitar as margens do rio Paraguai. As centenas de horas de filmagens no seio da comunidade Bororo, não estavam nos planos iniciais de expedição da dupla casada desde 1922. A permanência no Éden amazónico resultou de um dissabor, uma aterragem de emergência no coração da floresta. Walter e Aloha Wenderwell, cujo nome de nascimento registava Idris Garcia Hall, lançaram a sua aventura tropical na senda do explorador britânico Percy Fawcett, desaparecido em 1925 no dédalo verde da Amazónia..A bordo de um hidroavião, o casal Wenderwell rasteou dezenas de milhares de quilómetros quadrados de floresta. Périplo modesto à escala dos feitos internacionais de Aloha e Walter que, entre 1922 e 1927, haviam percorrido mais de 300 mil quilómetros de caminhos, em todos os continentes, numa viagem a bordo de um Ford Modelo T. A cineasta tornara-se a primeira mulher a circum-navegar a Terra em automóvel, enquanto motorista. Antes, em 1909-1910, a norte-americana Harriet White Fisherman circundara o mundo à boleia de uma viatura automóvel, embora sem a conduzir..Aos Wenderwell coube a sorte de um resgate mediático sem atribulações e o regresso aos Estados Unidos. Sorte diferente do destino que, seis anos antes, encaminhara Percy Fawcett para os enigmas da história da exploração. O britânico, nascido em 1867, geógrafo, cartógrafo, arqueólogo e oficial do exército, sintetizava os atributos do seu currículo na vontade de resgatar do anonimato grandes regiões da floresta amazónica, mapeando-as. Entre 1906 e 1924, Fawcett empreendeu sete expedições à América do Sul, apenas interrompidas pela Primeira Guerra Mundial, palco para o Coronel servir na Frente Ocidental, à beira de comemorar os 50 anos de idade..Na Europa, embrenhado nos campos do conflito, Percy Fawcett sonhava com a cidade mítica, escondida na floresta do estado do Mato Grosso, que alimentava o seu desejo de exploração desde 1914. À urbe imaginada, deu-lhe Fawcett o nome de Z, crendo-a testemunho sul-americano de uma civilização greco-romana que, via o explorador, vingara no âmago da floresta; um berço de tesouros em ouro, praças, arcos, obeliscos, pórticos e esculturas. A fundar a sua hipótese para a existência remota da sua cidade de Z, o britânico olhava para um manuscrito à guarda da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro desde meados do século XIX. O Manuscrito 512 (ver caixa), datado de 1753 e atribuído ao bandeirante João da Silva Guimarães, dava conta da descoberta das ruínas de uma cidade perdida nos recônditos da Amazónia. Dez páginas de manuscrito que incendiaram a paixão pela aventura de Percy Fawcett e a influência que exerceu em obras de escritores contemporâneos como Arthur Conan Doyle e o seu livro de 1912, O Mundo Perdido, onde, longe do protagonismo londrino do detetive Sherlock Holmes, vinga o imparável Professor Challenger e as suas proezas em cenários sul-americanos..A 20 de abril de 1925, após duas tentativas fracassadas para descobrir Z (em 1920 e 1924), Fawcett lançou-se na sua empresa definitiva, a partir da cidade de Cuiabá. O grupo de perto de 20 aventureiros acolhia Jack Fawcett, filho do coronel e o amigo Raleigh Mirell. A expedição era acompanhada por jornais de todo o mundo. A 29 de maio de 1925, o explorador que duas décadas antes trabalhara para os serviços secretos britânicos no Norte de África, enviava, a partir das margens do rio Xingu, as suas últimas palavras rumo à civilização e à sua mulher Nina Agnes Paterson, com quem se casara em 1901. Percy dava nota da aproximação a território nunca cartografado. E fez-se silêncio. Dois anos volveram para, em 1927, a britânica Royal Geographical Society dar a expedição de Fawcett como perdida. Nas décadas seguintes, dezenas de exploradores embrenharam-se na floresta de Mato Grosso na senda do explorador inglês, entre eles, em 1927, George Miller Dyott, cineasta e pioneiro da aviação que se viu cativo de uma tribo mato-grossense. Peripécia que renderia, em 1933, considerável abono ao realizador norte-americano, ao fazer da sua história matéria-prima para o filme Savage Gold..Nos anos seguintes ao desaparecimento de Percy Fawcett, multiplicaram-se versões, algumas fantasistas, sobre o fim do aventureiro e da sua equipa, situando-os entre o cativeiro, a morte às mãos de tribos locais, sucumbindo à fome e doença ou mesmo fundadores de uma comuna na floresta, como foi sugerido, em 2004, pelo escritor checo Misha Williams. Também dramaturgo, Misha levou ao palco a peça AmaZonia. Termo onde não nos escapa ao olhar o Z elevado da cidade mitificada de Fawcett..Documento não consensual, o Manuscrito 512, foi apelidado por arqueólogos como "o maior mito da arqueologia nacional [brasileira]". Relato de 1753, atribuído ao bandeirante português João da Silva Guimarães, descreve a descoberta das ruínas de uma antiga cidade no âmago da Amazónia. Em 1839, o naturalista brasileiro Manuel.Ferreira Lagos encontrou o manuscrito no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (onde pode ser consultado online). A divulgação do documento fez-se na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O relato inspiraria, no século XIX e XX, expedições como a de Richard Burton e o consequente livro Viagens aos Planaltos do Brasil (1868).