A 2 de janeiro de 2019, a sonda chinesa Change"4 alunou no lado oculto da Lua. O veículo espacial, nomeado em homenagem à deusa chinesa que, segundo a crença, habita o satélite natural da Terra, aterrou no solo da cratera Bacia do Polo Sul Aitken. A depressão, com 13 quilómetros de profundidade e mais de 2500 quilómetros de diâmetro, tornou-se palco para o sucesso do programa espacial chinês, que, à boleia da Change"4, tocou em solo lunar pela segunda vez. No interior da sonda viajou um pequeno cilindro contendo solo, fertilizante, água, batatas, uma planta herbácea de rápido crescimento e ovos de bicho-da-seda. Objetivo, recriar a mais de 300 mil quilómetros do nosso planeta um microcosmos capaz de se autossustentar. Uma nova etapa para a mariposa domesticada Bombyx mori, tal como cataloga a ciência o descendente milenar dos bichos-da-seda selvagens. A viagem espacial dos ovos de bicho-da-seda prolongou para além do nosso planeta um périplo que se iniciou há mais de cinco mil anos na China em torno da sericicultura, a criação daquelas lagartas para a produção de seda crua. Do Oriente, as sementes da lagarta, zelosamente guardadas, chegaram a Constantinopla, atual Istambul, em 550 d. C., contrabandeadas nas mãos de missionários. Breve, a Europa tornou-se um centro produtor de seda..No século XVIII, uma jovem alemã de 13 anos entretinha parte dos seus dias a coletar bichos-da-seda que encontrava em jardins para, depois, os criar. Maria Sibylla Merian, nascida em 1647, revelava precoce curiosidade pelo mundo natural e pelas artes. Talentos que promoveriam Merian nas seis décadas seguintes como naturalista e ilustradora científica. No início da década de 1650, a rapariguinha que se entretinha nos jardins de Frankfurt a observar e documentar os ciclos de vida de insetos, lagartos, mariposas e da flora local não adivinharia que antes de findo o século XVII se tornaria a primeira mulher europeia a empreender uma expedição científica à América do Sul. Isto antecedendo em mais de 100 anos a viagem épica do alemão Alexander von Humboldt. O naturalista e explorador nascido na Prússia calcorreou, de 1799 a 1804, a América do Sul..Antes de se lançar numa aventura a 7 mil quilómetros de casa, Maria Sibylla percorreu um caminho atribulado na sua Alemanha natal. Com o padrasto, Jacob Marrel, com quem a mãe se casou em segundas núpcias, a jovem teve a formação artística, o que lhe serviu de base a recriar em pranchas o mundo natural que a seduzia. Um pequeno universo que se alargou para Maria após o seu casamento, em 1665, com Johann Andreas Graff, pintor e editor alemão, aprendiz de Marrel. Com a mudança do casal para Nuremberga, Merian entregou os seus dotes artísticos a aulas de pintura junto de filhas de famílias abastadas. Com este labor, o acesso a alguns dos melhores jardins alemães. Merian não desperdiçou a oportunidade e coletou insetos durante anos. Com sentido de oportunidade e argúcia, a naturalista amadora documentou a metamorfose e plantas hospedeiras de mais de 180 espécies de insetos europeus..Em 1675, Merian publicou pela primeira vez. Em três volumes, a artista reproduziu flores, grinaldas, ramalhetes, fruto da observação direta, mas também da recriação de obras de mestres. Os álbuns assinados por Maria serviram de inspiração a bordadeiras da época. No final da década de 1670, a artista publicou o primeiro de vários volumes sobre o ciclo de vida das lagartas. Obra desmerecida por cientistas contemporâneos de Maria Sibylla por não ter sido escrita em latim..Num período em que os insetos eram tidos como "bestas do diabo", nascidos de geração espontânea e desconhecendo-se os processos de metamorfose (considerava-se que as borboletas nasciam da lama), Maria fazia desenhos detalhados daquelas criaturas no seu ambiente natural. Ilustrações que revelavam mariposas a depositarem os seus ovos, a alimentação das lagartas, mas também o ciclo reprodutivo das plantas, do botão ao fruto. Merian fazia as suas observações no meio ambiente e constatava como o estado do tempo influenciava a metamorfose. Por estarem vivos, os exemplares pintados por Maria revelavam cores vívidas que a ilustradora captava com precisão. Em paralelo, a ilustradora, então já mãe de duas filhas, estudava história natural e latim..Em 1692, então já a viver em Amesterdão, na Holanda, Maria Sibylla Merian divorciou-se. No mesmo ano, uma de suas filhas casou-se com Jacob Hendrik Herolt, comerciante de sucesso com ligações ao Suriname, território na América do Sul, na época colónia holandesa. A Maria abriu-se a oportunidade de alargar o estudo dos insetos a um território tropical. Patrocinada com a venda de mais de 250 ilustrações, a expedição da alemã a território sul-americano arranca em 1692. Merian e a filha passariam os dois anos seguintes nas selvas do Suriname, onde, com espírito crítico, observou o sistema esclavagista e o comércio local atraído somente pela exploração de cana-de-açúcar..No Suriname, de onde voltou para a Europa após contrair malária, Merian estudou insetos nos seus habitats e os usos que para eles encontravam os povos indígenas. Recuperada, instalou-se como comerciante, com venda de insetos para coleções privadas, assim como das suas ilustrações. Em 1705, Maria publicou Metamorphosis Insectorum Surinamensium. A mulher considerada pelo naturalista britânico David Attenbourough como uma das principais impulsionadoras da entomologia, o estudo dos insetos, morreu em 1717..Merian,, cujo nome inspirou as designações científicas de vários insetos, nomeadamente uma borboleta descoberta no Panamá em 2018, teve a sua esfinge reproduzida nas notas alemãs de 500 marcos até à entrada em vigor do euro..dnot@dn.pt