Portugal poderá sofrer com regiões mais secas, menos dias de chuva, porém com precipitações mais violentas, caso a temperatura global continue a subir. O panorama “não é nada bom”, diz ao DN David Carvalho, investigador auxiliar no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro. O cientista é coordenador do projeto ClimACT, que propõe realizar a primeira investigação completa e integrada sobre os cenários climáticos futuros para Portugal, para estudos de impacto e mitigação de alterações climáticas..O país não está a seguir um rumo diferente do que é visto pelo mundo. “Mesmo nos cenários mais pessimistas, os nossos resultados apontavam para umas alterações mais graduais no tempo, não tão violentas, onde as coisas iriam alterar-se mais lentamente, e não é isso que estamos a ver. Estamos a ver uma alteração muito mais repentina e muito mais violenta”, analisa o investigador..O recente caso das inundações em Valência, em Espanha, há pouco mais de um mês, são um exemplo do que poderá ser mais frequente a cada ano. Cerca de 200 pessoas morreram após uma sequência de chuvas torrenciais. “Nunca ninguém lá pensou que iria ter problemas de inundações. Se calhar a seca poderiam esperar, que é o que costuma acontecer naquela zona, mas aquele tipo de chuva extrema, nunca estariam à espera, no entanto aconteceu. Infelizmente, a perspetiva é que cada vez aconteça mais vezes em diferentes localidades”, explica David Carvalho..No caso de Portugal, o país “será mais quente e mais seco, com menos quantidade de chuva anual e, ainda pior, irá estar mais concentrada em menos dias. Vamos ter menos dias com chuva, mas quando chove vai ser mais violenta. Não estou a dizer que vai ser como em Valência, mas poderá acontecer”..A situação vai ao encontro do alerta feito pelo Serviço de Alterações Climáticas (C3S) do programa europeu Copernicus na segunda-feira (dia 9), com a análise da situação entre os meses de janeiro a novembro. “Podemos agora confirmar, com certeza quase absoluta, que 2024 será o ano mais quente desde que há registo e o primeiro ano acima de 1,5ºC”, afirmou a diretora adjunta do C3S, Samantha Burgess, no comunicado divulgado. O número significa que a temperatura global média este ano ficará 1,5 grau Celsius acima dos níveis registados na era pré-industrial, de 1850 a 1900. É a primeira vez que esta barreira é ultrapassada desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris. O tratado estabelece o compromisso dos países, nos quais Portugal se inclui, de manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC..Os dados expostos pelo C3S apontam que os esforços para o cumprimento do tratado podem não estar a acontecer conforme a gravidade da situação. “Todos os anos é o ano mais quente, e não há nada que nos indique que essa tendência irá mudar. Portanto, a tendência é que 2025 ainda esteja mais quente do que 2024 e 2026 mais quente do que 2025 e por aí adiante”, avalia o investigador..Na opinião de David Carvalho, questões políticas travam a tomada de decisão mais efetiva para o combate à emissão dos gases que aquecem a atmosfera, causando o chamado efeito de estufa. “A solução é apenas uma, que é diminuir a quantidade de gases com efeito de estufa, principalmente o dióxido de carbono na atmosfera, mais nada. É isso que está a causar o problema. Mas, infelizmente, como temos visto, temos andado em caminho contrário”, avalia o cientista..O C3S está a trabalhar num relatório completo sobre o ano de 2024, a ser publicado no início de janeiro de 2025.