Ciência
13 junho 2021 às 22h04

Umberto, Amundsen e Louise, três exploradores polares que a tragédia ligou

O ano de 1928 foi de alarido no extremo norte da Terra. Enquanto a URSS resgatava a tripulação do dirigível Italia, o mundo chorava o desaparecimento do explorador Roald Amundsen. Foi ainda tempo de afirmação de Louise Arner Boyd, a "Rainha do Gelo".

Nos 21 anos que mediaram entre 1962 e 1983, o ator escocês Sean Connery ofereceu por sete vezes a sua arte de representação ao agente secreto criado em 1953 pelo jornalista e escritor inglês Ian Fleming. Na pele de James Bond, Connery contracenou em películas como 007 - Só se Vive Duas Vezes, com estreia em 1967, e 007 - Os Diamantes São Eternos, filme de 1971. De permeio, em 1969, Sean Connery deu à Sétima Arte A Tenda Vermelha, uma coprodução italo-soviética que chamou ao elenco a atriz Claudia Cardinale, diva dos cinemas italianos e francês. À mulher nascida em 1938 num bairro de Tunis, então no protetorado francês da Tunísia, coube o papel de enfermeira em A Tenda Vermelha. Por seu turno, o ator nascido em 1930, em Edimburgo, assentou-lhe o papel do explorador polar norueguês Roald Amundsen. Os 121 minutos de filme, ressuscitavam uma história então com perto de 40 anos, a do esforço internacional para encontrar a tripulação do dirigível Italia.

O ano de 1928, foi de duplo desaparecimento nos gelos do Pólo Norte. As duas histórias contaram com diferentes desenlaces. Se à tripulação do Italia, ou ao que dela restava, coube a boa sorte de um resgate soviético com travo a feito épico, já o homem que descobrira em 1906 a mítica Passagem do Noroeste (via marítima na América do Norte que permite a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico) e conquistara o Pólo Sul, em 1911, perdeu-se definitivamente nos gelos árticos. Na época, Amundsen adicionou a Noruega à lista de países que vasculhavam centenas de milhares de Km2, na procura do comandante Umberto Nobile e dos restantes transalpinos que regressavam de uma exploração ao Pólo Norte. A quarta viagem do Italia, começara auspiciosa, com a chegada ao Pólo, onde foi deixada uma cruz de madeira, oferta do Papa Pio XI. No regresso, a costa da Gronelândia revelou-se traiçoeira, com empertigados ventos contrários e nevoeiros insistentes. Estas condições ditaram a sorte do dirigível de 106 metros que soçobrou à latitude de 81ºN.

Dinamarca, Finlândia, França, Itália, União Soviética, Suécia e Estados Unidos, a par da já referida Noruega, multiplicavam esforços no resgate da tripulação do Italia, o que aconteceu pela mão dos Soviéticos a bordo do navio quebra-gelo Krassin.

Antes, Amundsen, filho daquela que ficou conhecida como a "idade heroica da exploração antártica", mostrou-se confiante no seu conhecimento das regiões polares. A 18 de junho de 1928, o explorador embarcou no hidroavião francês Latham 47. Naquele dia o mundo despediu-se de Roald Amundsen. O homem que sobrevoou o Pólo Norte em maio de 1926 findava, presume-se no Mar de Barents, uma vida de 55 anos.

A trágica perda do explorador norueguês trouxe para a ribalta mundial a mulher que, nascida em 1887 na soalheira Califórnia, empreendia desde 1924 explorações polares de caráter científico. Louise Arner Boyd, filha de um rico prospetor de minas de ouro, encontrou na herança que lhe coube após a morte dos pais (antes, a dos dois irmãos), em 1920, suporte financeiro para reunir cientistas de diferentes áreas, assim como fotógrafos, em torno de seis expedições ao extremo norte do planeta.

A linha branca que anuncia a fronteira entre as águas livres do Atlântico Norte e a lâmina de gelo polar que cresce e diminui sazonalmente, prendeu a atenção de Louise em 1924, quando participava numa viagem de cruzeiro na costa norueguesa. Dois anos volvidos, a jovem fretou o navio de abastecimento Hobby, reuniu uma equipa e lançou-se na sua primeira viagem polar. Em 1928, face ao frenesim internacional com a procura de Amundsen, Louise disponibiliza o seu navio de investigação ao serviço do resgate. Os mais de 16 mil km de navegações árticas na busca do explorador norueguês mostraram-se infrutíferos, o que não obstou a que "A Rainha do Gelo", como era conhecida Louise, recebesse a Cruz de Cavaleiro da Real Ordem Norueguesa de Santo Olavo.

Na década de 1930, Arner Boyd e a sua equipa recolheram centenas de espécimes botânicos na costa leste da Gronelândia. Em simultâneo fotografavam as paisagens geladas que tanto fascinavam a norte-americana. Na sua obra de 1935 The Fiord Region of East Greenland lemos: "no extremo norte, escondidos atrás da barreira de gelo, estão terras que contêm um feitiço".

Do encantamento das expedições da década de 30 do século passado, ao inferno da Segunda Guerra Mundial, Louise tornou-se consultora militar do exército dos Estados Unidos. As informações que a exploradora acumulara sobre o grande norte, tornavam-se estratégicas no esforço de guerra americano. Em 1941, Louise embarcou rumo à Gronelândia numa missão secreta com vista a obter dados sobre a transmissão de ondas de rádio nas regiões árticas. Ao sucesso da missão, a aventureira adicionou nas décadas seguintes novas explorações e publicações, como The Coast of Northeast Greenland, de 1948. Dezasseis anos depois, em 1954 e com 67 anos, Louise concretizou um sonho, ao tornar-se uma das primeiras mulheres a sobrevoar de avião o Pólo Norte.

A mulher que sem formação académica em ciências contribuiu para um conhecimento mais detalhado do Ártico, faleceu na Califórnia em 1972. Ainda hoje as fotografias polares de Louise apoiam o esforço de glaciologistas no trabalho comparativo de avaliar o recuo dos glaciares, ameaçados pelas alterações climáticas.

dnot@dn.pt