Ciência
30 março 2023 às 16h46

Cientistas explicam a causa das hepatites agudas infantis

Uma reação anormal do sistema imunológico na presença do vírus AAV2 é a causa da hepatite aguda que afetou mais de mil crianças em 35 países desde a primavera passada e cuja origem permaneceu um enigma durante muitos meses.

DN

Os resultados de três investigações no Reino Unido e nos Estados Unidos publicados na revista Nature mostram que o vírus AAV2 é encontrado em praticamente todas as crianças afetadas pelas hepatites agudas e apenas numa pequena percentagem de crianças saudáveis ​​ou com outras formas de hepatite. Mas as investigações também mostram que esse AAV2 deve ser acompanhado por infeções por outros vírus e, em muitos casos, por uma predisposição genética para desencadear a hepatite.

De acordo com as investigações, há "evidências convincentes" de que o misterioso surto de hepatite aguda infantil foi causado por este vírus que não era conhecido anteriormente por causar doenças. Uma das pesquisas, liderada pela Universidade de Glasgow (Escócia), também revela que crianças com uma variante genética específica ligada à imunidade parecem estar em maior risco.

As descobertas dos investigadores da universidade escocesa são baseadas numa análise de 32 crianças hospitalizadas entre 14 de março e 20 de agosto de 2022 com sintomas como vómitos, dor abdominal e fadiga. A maioria das crianças tinha menos de cinco anos. Todos foram diagnosticados com hepatite aguda, mas sem causa óbvia associada.

Um estudo preliminar envolvendo nove pacientes já apontara o vírus adeno-associado 2 (AAV2), conhecido como uma espécie de vírus adormecido (bystander), como o provável culpado, mas estas investigações publicadas na Nature trazem as primeiras análises detalhadas e revistas por pares.

Na Escócia, das 32 crianças estudadas, quatro precisaram de tratamento em unidade especializada em fígado e uma teve mesmo de receber um transplante de fígado, detalha o The Herald. Todos os jovens recuperaram após o tratamento, mas a recuperação demorou vários meses, mesmo para aqueles com doença mais ligeira.

Os investigadores confirmaram a presença de AAV2 no fígado de todos os pacientes com hepatite aguda. Além disso, 81% das crianças com hepatite aguda tinham anticorpos AAV2 presentes no sangue, em comparação com apenas 7% das crianças do grupo de controlo.

O vírus adeno-associado 2 (AAV2) foi identificado pela primeira vez por cientistas em 1965 e infeta cerca de 90% da população. A maioria das pessoas desenvolve imunidade até aos 18 anos.

Conhecido como um vírus passivo, fica adormecido nas células e só é "ativado" na presença de outros vírus, como herpes e adenovírus - família de vírus que podem causar doenças como gastroenterite e sintomas de gripe ou constipação.

Na Escócia, escreve o The Herald, os cientistas observaram um aumento nos diagnósticos de adenovírus entre crianças pequenas, a "preceder diretamente o surto de hepatite inexplicável".

Em contraste, não encontraram "nenhuma ligação direta entre a Covid-19 e o surto de hepatite aguda", com base em testes de anticorpos. Além disso, nenhuma das crianças com hepatite aguda havia recebido a vacina contra a Covid.

No entanto, a análise genética de 27 das crianças afetadas revelou taxas anormalmente altas de uma variante chamada DRB1* 04:01 - uma forma do Antígeno Leucocitário Humano, genes que são uma espécie de guardiões celulares e que codificam as proteínas envolvidas na resposta imune.

Das 27 crianças testadas, 25 deram positivo para pelo menos uma cópia desta variante, cinco vezes mais em comparação com a população em geral. Os cientistas acreditam que essa variante genética poderia justificar a maior suscetibilidade de algumas crianças para doenças graves.

Embora os casos de hepatite pediátrica aguda de origem desconhecida ocorressem já antes da pandemia, acredita-se que o aumento da circulação do adenovírus após o levantamento das restrições da Covid-19 tenha levado um número incomum de casos num curto espaço de tempo.

E foi isso que permitiu aos cientistas pela primeira vez identificar uma ligação entre a doença e o AAV2.

Tópicos: Ciência, hepatite, vírus