Estigma e diagnóstico tardio mantêm VIH como desafio de saúde pública

Estigma e diagnóstico tardio mantêm VIH como desafio de saúde pública

Portugal regista avanços notáveis no controlo da infeção por VIH e a evolução da terapêutica antirretrovírica permitiu transformar vidas. Longe vão os tempos em que a doença era vista como uma sentença de morte. Hoje, é uma infeção crónica controlável, contudo, o estigma e o diagnóstico tardio exigem mais respostas. André Mendes, diretor-geral da ViiV Healthcare, aborda alguns dos principais desafios nesta área.
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No início da década de 80, surgiram nos Estados Unidos da América casos inexplicáveis relacionados com pneumonia e sarcoma de Kaposi, especialmente em homens jovens. Assim começou a era da SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), num contexto clínico associado a uma condição imunológica de causa desconhecida. Em Portugal, o primeiro caso foi identificado em 1983, ano em que foi isolado o retrovírus responsável pela doença: vírus da imunodeficiência humana (VIH). Descoberta a causa, foi necessário encontrar respostas globais e locais, aos níveis clínico e social.

A comunidade científica descobriu que o VIH ataca o sistema imunitário e destrói os mecanismos de defesa contra infeções e doenças. Infeta, especialmente, os linfócitos CD4 (células do sistema imunitário), que vão diminuindo ao longo dos anos e enfraquecendo o sistema imunitário, que deixa de poder combater infeções. Surgem, então, as doenças definidoras de SIDA, a fase final da infeção por VIH.

A aposta em investigação e desenvolvimento abriu caminho à descoberta de medicamentos capazes de travar o aparecimento da SIDA. “Passámos de uma doença vista como uma sentença de morte para uma infeção crónica controlável, com qualidade de vida para as pessoas com VIH. A introdução da terapêutica antirretrovírica (TAR) permitiu transformar a infeção”, assinala André Mendes, diretor-geral da ViiV Healthcare, sublinhando o “investimento contínuo da indústria farmacêutica na investigação e no desenvolvimento de novos medicamentos e terapêuticas inovadoras”, com o objetivo de “prolongar a vida das pessoas com VIH e melhorar a qualidade de vida”.

Os antirretrovíricos reduzem o nível do vírus no organismo e interrompem o processo que origina SIDA. Não curam a infeção por VIH, mas permitem que as pessoas com VIH tenham mais e melhor qualidade de vida.

Com a TAR, as pessoas apresentam a carga viral num nível tão baixo que o vírus fica indetetável nos testes de monitorização, diminuindo o risco de transmissão vertical (mãe-filho) e durante as relações sexuais. André Mendes refere que o “marco notável “indetetável = intransmissível” (I=I)” é alcançado “com o tratamento adequado” e é “muito importante para a pessoa com VIH, mas também para a comunidade, uma vez que introduziu outro conceito importante que é o tratamento como prevenção”.  

Desafios atuais da infeção VIH

Em Portugal, entre 2015 e 2024, registou-se uma redução de 35% no número de novos casos de infeção por VIH e de 43% em novos casos de SIDA, segundo o relatório anual “Infeção VIH em Portugal – 2025”, que foi divulgado no passado mês de novembro pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pela Direção-Geral da Saúde (DGS).

De acordo com os dados recolhidos a 30 de junho de 2025, foram notificados 997 casos de infeção por VIH com diagnóstico em 2024, dos quais 951 com diagnóstico em Portugal, refere o documento. O relatório indica que ao longo das quatro décadas da epidemia VIH, foram diagnosticados 66 421 casos de infeção por VIH, 23 946 atingiram o estádio de SIDA e foram notificados 16 080 óbitos.

Apesar dos avanços médicos e científicos, os dados epidemiológicos mostram que ainda existem desafios clínicos e sociais, ao nível da adesão terapêutica, preferência posológica, supressão virológica e estigma. “Sabemos que nem todas as pessoas com VIH estão diagnosticadas, o que compromete o controlo da infeção. Manter as pessoas nos cuidados de saúde, garantir o acesso contínuo à terapêutica e assegurar que cada pessoa com VIH permanece com a carga viral indetetável são desafios que  precisamos de continuar a resolver”, sustenta o diretor-geral da ViiV Healthcare.

Apontando o estigma como um obstáculo significativo no plano social, André Mendes diz que “muitas pessoas ainda enfrentam preconceitos, inclusive por parte de profissionais de saúde, devido à falta de conhecimento sobre a infeção”, pelo que considera necessário “trabalhar em conjunto para mudar esta perceção e apoiar quem vive com VIH, mostrando, por um lado, que o VIH pode afetar diferentes populações (homens, mulheres e crianças) e não apenas alguns grupos; e, por outro, reconhecer que existe uma grande diversidade de comportamentos sexuais, não devendo a infeção ser  associada só a comportamentos de risco”.

Para André Mendes, falta investimento em literacia e educação. “Se as pessoas entenderem que alguém com carga viral indetetável não transmite a infeção, conseguimos mudar completamente a forma como se olha para o VIH”, destaca, evidenciando que para “reduzir o medo, o preconceito e o estigma” é necessário “desmistificar conceitos errados, educar profissionais de saúde, população em geral e comunicar de forma clara e próxima”.

O investimento em literacia poderá influenciar positivamente no cumprimento das metas 95-95-95 da ONUSIDA para 2030, que preconizam: para acabar com a infeção por VIH, enquanto ameaça à saúde pública, será necessário que 95% das pessoas que vivem com o VIH estejam diagnosticadas; 95% dos diagnosticados devem estar em tratamento; e 95% das pessoas em tratamento devem ter carga viral indetetável. 

André Mendes insiste que “o diagnóstico continua a ser um ponto crítico” e faz referência aos dados do relatório conjunto da DGS e INSA que indicam que Portugal continua a registar uma das taxas anuais de diagnóstico de VIH mais elevadas da União Europeia. A nomeação da Dra. Bárbara Flor de Lima para diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção pelo VIH/SIDA é encarada com esperança, porque “poderá ajudar a orientar as políticas públicas de saúde de forma mais eficaz” no combate à infeção, mas também “o contínuo investimento dos diferentes parceiros nesta área”.

Relativamente à ViiV Healthcare, o responsável assegura que está focada em “garantir acesso equitativo e sustentável à inovação, continuar a apoiar campanhas de prevenção, literacia e combate ao estigma, e colaborar com governo, decisores políticos, associações e comunidades para criar soluções globais”. Avança que a companhia farmacêutica tem como prioridade “desenvolver novas terapêuticas que respondam às necessidades reais das pessoas com VIH”, assim como “criar tratamentos com administrações mais convenientes, que permitam às pessoas manterem a carga viral indetetável durante anos e melhorar ainda mais a sua qualidade de vida.”.

NP-PT-NA-JRNA-250012 | Dezembro 2025

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