Simone, sempre Simone, sem artifícios nem sombras

O coração da atriz parece um "cavalo a galope" durante um dos últimos ensaios antes da estreia, esta noite, de "Simone, O Musical". "Tenho andado bastante calma nos ensaios destes últimos dias, mas hoje o meu coração disparou." Dispara sempre na contagem decrescente para as estreias. É assim há 60 anos, para Simone de Oliveira, símbolo de força, autenticidade e coragem.
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ão há forma de se despir de si própria. Seja em palco ou fora dele. Simone é sempre Simone. Na quinta-feira ao final da tarde, a poucos minutos do início do ensaio de imprensa, no Teatro Tivoli, em Lisboa, está a postos. Robe comprido de cetim azul-céu, mangas de plumas, esvoaçante mas terrena, carismática e simples, sem artifícios nem sombras. Sempre com humor. "Obrigada por terem vindo, estamos um bocadinho acagaçados, graças a Deus!". E ri-se, já de microfone ligado. "Podem subir um bocadinho o som, por favor? Não me estou a ouvir bem. É agora que acendo o cigarro?", pergunta a Salvador Nery, assistente de encenação, que vai batendo as últimas linhas de texto com Simone de Oliveira e José Raposo.

Os ensaios que decorrem há um mês e meio têm sido pontuados de emoções intensas. Este é um espetáculo sobre a sua vida mas que vai tocar a memória de várias gerações. No final do ensaio, revela que fica sempre nervosa, com medo e que o assume "sem problemas". Sem fingimentos. Mas agora o palco já está transformado no seu camarim, não há nada a fazer. "Vamos a isso!", exclama. As luzes apagam-se.

É disso que falam na primeira cena, dos seus "nervos" antes de cantar, Simone e o seu Varela, o seu maior crítico, como diz sempre.

Varela Silva, ator, encenador, autor, um dos maiores nomes do teatro português, companheiro de vida de Simone de Oliveira e personagem fulcral do musical, é interpretado por José Raposo, que o conheceu em vida, numa tarefa muito especial para o ator. "É um gran-de privilégio ser o Varela, uma pessoa que tanto admiro e respeito, sempre foi uma das minhas referências, via-o muito no Teatro Nacional, infelizmente não cheguei a ser dirigido por ele, mas estivemos juntos em jantares, estreias e no Parque Mayer, era um homem muito completo ao nível do teatro e da cultura, fiquei felicíssimo da vida com este convite", revela ao DN o ator que veste também outras peles neste espetáculo. Acrescenta que Simone lhe deu várias dicas sobre os tiques e maneiras do marido. E, se, para José Raposo, a emoção resiste à flor da pele, para Simone de Oliveira, contracenar com o colega e amigo a fazer de seu marido é esmagador. "Há momentos em que está tão parecido com ele, tenho de me travar muito, sabe?", revela, comovida.

Cigarros, lágrimas e "cantigas"

E é depois de trocarem gestos cúmplices, ela e o seu Varela, ou ela e José Raposo, na intimidade entorpecida de saudade, que termina a primeira cena do ensaio de imprensa com Varela Silva a desejar-lhe sorte para cantar as suas "cantigas". "O medo vai passar, minha querida, vá, agora vá, já se ouve a música." "E no final, estará aqui à minha espera?", pergunta Simone, partilhando com ele o último cigarro, instantes antes de cantar isso mesmo: À Tua Espera, a canção que homenageia o amor entre os dois.

E há tantas mais "cantigas". A banda de quatro músicos ao vivo desfia os grandes temas da carreira de Simone de Oliveira como Sol de Inverno, Tango Ribeirinho, Esta Palavra Saudade e, claro, Desfolhada, músicas icónicas que também trazem a palco Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira e Carlos do Carmo.

São muitas páginas de história que o elenco mais novo - FF, Marta Andrino, Pedro Pernas, Ruben Madureira, Salvador Nery, Sissi Martins e Soraia Tavares - encara como uma "aprendizagem única". Todos o dirão no final do ensaio. Sentem-se felizes por estarem com Simone, que não perde a oportunidade de elogiar o "talento e capacidade de trabalho" do elenco jovem.

A atriz Sissi Martins, 33 anos, que não era nascida quando aconteceu a Desfolhada, sente uma grande honra em poder ser a intérprete dum tema pilar da música portuguesa. "É muita emoção, vi muitos vídeos da Simone a cantar a Desfolhada, e a verdade é que os meus pais acompanharam tudo, desde pequena que conheço o tema, quem é bom português arrepia-se sempre, tenho bem presente que foi tão importante para Portugal", assinala a jovem atriz que chegou a provar o original vestido verde-esmeralda de Simone de Oliveira, para poder envergar uma réplica feita à medida. Até os brincos são iguais.

Quanto às dicas da mestre para entoar a música-bandeira, Simone de Oliveira disse a Sissi para cantá-la com muita força. "A Simone quase que nos oferece os subtextos das cenas, é muito humana e muito querida connosco, deu--me muita consciência da vida dela na altura, o que estava a acontecer consigo e com a sua família, ela teve um país numa ditadura e teve de ir representá-lo a dizer "quem faz um filho fá-lo por gosto". Ainda hoje há pessoas que dizem que tinham vergonha de ouvir a canção por causa dessa frase", continua Sissi, que prova estar à altura do tributo à diva.

A cena da Desfolhada, na peça, é acompanhada de imagens de arquivo da RTP que mostram Simone de Oliveira, na chegada a Santa Apolónia, há 48 anos, onde dez mil pessoas a esperavam. "Nunca tinha visto essas imagens, foi muito forte para mim, na altura, foi tudo muito violento, não foi fácil, mas aqui estou hoje a oferecer este espetáculo às pessoas. Eu já não preciso de nada, só quero que gostem muito, é isso que quero agora", termina Simone.

Simone, O Musical

Teatro Tivoli, Lisboa

Até 5 de novembro, de quinta a sábado, às 21.30; domingos às 16.30

Bilhetes: entre 12,5 e 27,5 euros

Coliseu do Porto

De 10 e 11 de novembro, às 16.30

Bilhetes: entre 12 e 27,5 euros

CAE Figueira da Foz

17 de novembro às 21.30

18 de novembro, às 16.30 e às 21.30

Bilhetes: entre 17,5 e 22,5 euros

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