14 junho 2016 às 00h31

'Mein Kampf' de Hitler esgotou na Feira do Livro

A edição do 'livro maldito' que esteve na base da morte de 60 milhões de pessoas na II Guerra Mundial foi um sucesso na Feira do Livro de Lisboa. Esgotou a segunda edição e vai ter terceira.

João Céu e Silva

A grande surpresa da Feira do Livro de Lisboa aconteceu com um autor de um só livro, mesmo que seja muito conhecido por outras guerras que não as literárias: Adolf Hitler e o seu Mein Kampf. Sim, o livro proibido até há poucos meses e que, ao entrar no domínio público, tem vindo a ser editado em todo o mundo, foi o grande sucesso de vendas da editora Guerra & Paz. Que esgotou a segunda edição deste "livro maldito" e vai avançar para uma terceira reimpressão. O editor Manuel S. Fonseca não revela o total de livros vendidos mas garante que foram algumas centenas: "Esgotaram!" Representou, diz, "um quinto das vendas da trilogia de livros que estão na base das três grandes tragédias do século XX: o Manifesto Comunista de Marx e Engels, o Pequeno Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung e o livro de Hitler, Mein Kampf (ler caixa). Ao fazer o balanço da presença na Feira do Livro revela: "Crescemos perto de 40% nas vendas. Foi a melhor Feira do Livro da editora dos últimos anos."

Para se ter um termo de comparação, o último best-seller de José Rodrigues dos Santos, O Pavilhão Púrpura, o autor português que mais vende, atingiu vendas de 800 exemplares. Já o último romance de Umberto Eco, Número Zero, da mesma editora, a Gradiva, chegou aos cem livros vendidos. É certo que a tiragem inicial de José Rodrigues dos Santos foi de 50 mil exemplares e o livro chegou às livrarias nas vésperas da Feira do Livro, enquanto o Mein Kampf está muito longe desse valor astronómico, no máximo um milhar de exemplares. Mesmo que o escritor português tenha criado um facto político para chamar a atenção para o seu novo romance ao afirmar numa entrevista ao DN que "o fascismo é um movimento que tem origem marxista", empurrão publicitário que Hitler não teve.

Questionado sobre este fenómeno, o sociólogo António Barreto desdramatiza o interesse dos portugueses pela ideologia nazi, mesmo ressalve que "esta é a minha opinião hoje, pois depende de como a situação política evolui nos próximos meses". Explica assim o seu palpite para a apetência dos leitores pelo Mein Kampf: "Considero relativamente normal porque é um dos livros mais citados e menos lidos no mundo. É natural a curiosidade pelo livro do senhor Adolf Hitler, que está na base de uma guerra mundial com 60 milhões de mortos. Como ninguém o tinha lido na vida, evidentemente que vai haver pessoas interessadas em, pelo menos, ver o que lá está."

A essa primeira situação, segundo António Barreto, deve seguir-se o desinteresse: "Acontece que o livro não é grande coisa, nem sequer tem boa retórica revolucionária como, por exemplo, a do Manifesto Comunista, que é muito bom do ponto de vista literário." Acrescenta que "há um movimento fascista em um ou dois países europeus, bem como algum insucesso na tentativa de ressurgimento de partidários marcadamente nazis, mas o consumo do livro não significa perigo porque Hitler não é uma referência ideológica para esses movimentos conservadores". Quanto ao interesse dos leitores em Portugal: "É curiosidade e interesse. Não me preocupa, quer-se saber o que lá está. O Meu Combate ou A Minha Luta, nem sequer tem um título definitivo. As pessoas nunca tinha visto esse livro."

Mais vendas outra vez

Terminou ontem a edição mais participada de sempre da Feira do Livro de Lisboa, com cerca de 600 editoras e chancelas presentes no Parque Eduardo VII. Havia milhares livros, de todos os géneros e para todos os gostos, e estiveram no recinto autores de muitos países a dar autógrafos. Apesar da crise, pode-se avançar que as vendas ultrapassaram as do ano anterior entre 15 a 20% na maioria das editoras presentes, segundo o DN confirmou.

Nas últimas horas, o balanço era positivo para a maior parte das editoras e até para os grandes grupos editoriais a presença na 86ª edição valeu a pena. Nem a Porto Editora nem a Leya quiseram revelar números de vendas, mas ambas confirmaram um crescimento em relação a 2015. No primeiro caso, o crescimento terá atingido os 20%, situação que se repete no quinto maior grupo, o 20/20, segundo uma responsável: "Em 2014, a faturação com seis pavilhões tinha sido de 61 500 euros; em 2015 com 8 pavilhões chegámos aos 100 mil euros, e este ano com mais oferta no mesmo espaço, o valor foi largamente ultrapassado." Também a editora Planeta confirma o aumento de vendas, bem como a Presença .

Por último, não esquecer o "efeito Marcelo Rebelo de Sousa", que levou ao recinto muitas pessoas no dia de abertura, tendo criado um engarrafamento raramente visto.