Um escritório com vista para a exposição do MUDE

O arquiteto Miguel Jacobetty Rosa desenhou os interiores de um terceiro andar na Estrela para um amigo. O escritório foi agora doado ao Museu do Design e da Moda.
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"Fico contente de ter sido assim", diz Maria do Rosário Cayres Martins, olhando para o escritório do pai, Miguel, agora montado no MUDE - Museu do Design e da Moda, em Lisboa, numa reconstituição à escala real em tudo semelhante à que existia no apartamento na Estrela para onde os pais se mudaram em 1950. Doou-o ao museu, uma maneira de preservar o mobiliário único desenhado pelo arquiteto Miguel Jacobetty Rosa como presente de casamento para os pais.

O arquiteto é o autor da loja Fotocolor, na baixa lisboeta, de que Miguel Martins é um dos fundadores. É ali, aliás, que o empresário trava conhecimento com a futura mulher, Guilhermina Cayres, irmã da mulher do sócio. Quando fica noivo, o casal decide ir viver para um terceiro andar na rua da Imprensa à Estrela, que se manteve por 50 anos exatamente como Jacobetty Rosa delineou no dossiê técnico que serviu de base à fabricação dos móveis de todas as divisões da casa (só os estofos dos sofás foram alterados). Um documento que, tal como o escritório, foi doado à Câmara Municipal de Lisboa e ficará no acervo do MUDE. "Esteve, desde que me lembro, na mesma gaveta da estante", conta a filha.

Na casa, que ficava na rua da Imprensa à Estrela, a única que conheceu, Maria do Rosário sempre ouviu contar a história dos móveis da família, e como Jacobetty Rosa tinha oferecido, como presente de casamento. "Os meus pais sempre tiveram um grande cuidado com as peças. A homenagem que lhes podia fazer era esta", explica ao DN.

Resistindo à ideia de vender os móveis a um comprador de "recheios", foi encaminhada por amigos para uma loja de móveis vintage em Lisboa. Daqui chegou à galeria Bessa Pereira, que expõe (e vende) o restante conteúdo da casa, a partir de quarta-feira. Ao mesmo tempo, uma amiga entrava em contacto com Bárbara Coutinho. MUDE e galeria remaram para o mesmo lado, e haverá, em breve, um catálogo das peças.

Mistura dos estilos tradicionalista e moderno, a casa é um trabalho único do arquiteto. "Não começou tradicionalista e acabou modernista. Foi pensado", resume Carlos Bártolo, curador da exposição que estará patente na galeria Bessa Pereira.

O escritório poderá ser visto junto à exposição permanente do MUDE até junho (altura em que o museu encerra para obras) e, segundo Bárbara Coutinho mostra uma "perspetiva quase desconhecida do trabalho de Jacobetty, autor do Estádio Nacional e colaborador de Duarte Pacheco, afirma Bárbara Coutinho, que elogia "a consciência patrimonial" da doadora.

Uma história pessoal

Além do pai, Maria do Rosário foi a pessoa que mais usou o escritório. Era lá que estudava quando entrou na universidade para estudar Física. E era lá que ouvia música. "A certa altura havia colunas e discos". O pai, lembra, deixava-a ficar junto dele enquanto cortava e colava filmes.

Maria do Rosário Cayres Martins conta que sempre teve a intenção de ficar com o escritório. Quando comprei a minha casa, comprei-a com uma divisão a pensar no escritório". Mas acabou por considerar que doar o espólio com a assinatura do arquiteto modernista português (1901-1970) foi a melhor solução. "Sinto-me muito melhor do que ter levado para minha casa. Não tenho filhos, isto ia acabar mal de certeza", confidencia, acrescentando: "Estas coisas são para serem partilhadas".

As peças do escritório, por serem as menos usados, foram as sobreviveram em melhor estado à passagem do tempo, reconhecem Maria do Rosário e Carlos Bessa Pereira, da galeria que mostra o restante conteúdo da casa.

Só ficou com um objeto: uma mesa que estava na sala de costura que já estava na sua casa. "Não fazia sentido entregá-la".

A reconstituição do escritório pode ser vista no Museu do Design e da Moda de terça a domingo, das 10.00 às 18.00 (encerra à segunda-feira), até junho, altura em que o museu encerra para obras de requalificação.

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