Só vale a pena enquanto der prazer
Ela foi Klara, uma jovem que sonhava ser cantora de ópera mas que foi abusada pelo professor de música, forçada a abortar, presa por interromper a gravidez, proscrita pela sociedade burguesa. Por esse papel em Música, de Frank Wedekind, numa encenação de Luís Miguel Cintra com o Teatro da Cornucópia, Rita Cabaço recebeu o Prémio da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro: "Foi talvez o espetáculo mais difícil que eu fiz. Estava em cena três horas, era mesmo muito exigente, até fisicamente. E era uma personagem muito intensa, passava por vários lugares e nunca eram lugares levezinhos", conta a atriz. "Estava a desafiar-me." Quem a viu fixou o seu rosto, aquela presença, a voz dominando todas as palavras. Aos 24 anos, Rita é uma daquelas atrizes que não se esquecem.
Chegou ao teatro como quem vem à procura. Estava a terminar o 9.º ano em Carcavelos quando viu um anúncio sobre as audições para a Escola Profissional de Teatro de Cascais. "Eu não sabia o que queria. Ou ia para Humanidades ou atirava-me de cabeça para alguma coisa. Decidi arriscar." Recorda o impacto da primeira vez num palco, perante um público: "No início estava muito nervosa, depois, durante o espetáculo, não conseguia pensar e, no fim, foi um sentimento que não tem explicação: como se não precisássemos de mais nada, aquilo chega." Nessa altura teve a certeza. "Foi uma surpresa aquilo fazer tanto sentido para mim e, de repente, ser tão natural. Nunca foi nada que tivesse de forçar. Havia muitas coisas que já estavam em mim e que a escola e o teatro me fizeram descobrir." O espírito de sacrifício foi uma delas.
Ainda estudou no Conservatório, enquanto trabalhava com o Teatro Experimental de Cascais e com os Artistas Unidos, até chegar ao Teatro da Cornucópia. Entrou em Pílades (2014) e ficou até ao fim: "Tive muita sorte de me cruzar com aquelas pessoas e com aquele lugar, com aquela forma de trabalhar e de estar", diz. Com a Cornucópia aprendeu, entre outras coisas, a importância do tempo passado "à mesa". "O trabalho de texto não era novo para mim, mas ali era muito mais intensivo. Quando vais levantar as cenas é outra coisa, dominas aquilo que estás a dizer." E, depois, "uma forma de estar no trabalho em que parece que não é trabalho, a prioridade ali é a relação entre as pessoas. Conhecíamo-nos todos muito bem, era um projeto em conjunto".
Foi no palco da Cornucópia que o Teatro da Cidade se apresentou ao mundo com Os Justos, de Camus. O Teatro da Cidade são cinco colegas de Conservatório e amigos - Rita Cabaço, Bernardo Souto, Guilherme Gomes, João Reixa e Nídia Roque - que gostam de estar e de pensar juntos, de discutir os trabalhos, de se questionarem. Até agora, têm feito criações coletivas, onde todos têm uma palavra a dizer sobre tudo. Não têm subsídios mas têm muita vontade de fazer coisas.
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Em setembro, nos dias 16 e 17, o Teatro da Cidade repõe Topografia , no ciclo Recém-Nascidos do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Nos seus planos futuros, Rita Cabaço tem também um espetáculo encenado por Marco Martins (a estrear em janeiro de 2018 no Teatro São Luiz). O resto se verá: "Aquilo que me conduz é o prazer que isto me dá e as pessoas com quem o partilho, e ser sempre fiel àquilo em que eu acredito. Esta profissão tem coisas tão difíceis, pode ser tão angustiante e tão cruel, tenho de me lembrar sempre porque é que faço isto para que continue a fazer sentido."