Tom Wolfe era o autor de A Fogueira das Vaidades para a maioria dos leitores portugueses e é com este romance que em muito será recordado após a sua morte na segunda-feira - só foi revelada hoje. Nem era preciso o livro ter sido adaptado ao cinema, tendo como protagonista Tom Hanks, para ficar na memória e, como na maioria das vezes, o romance fosse bastante melhor do que o filme..A Fogueira das Vaidades faz parte de uma época civilizacional que Tom Wolfe retratou como poucos, talvez a concorrência literária esteja em Bret Easton Ellis e o seu Psicopata Americano, apesar de que quem reconhece preferencialmente Tom Wolfe pelos seus fatos impecáveis em todas as fotos o achasse melhor para temas que não os insípidos yuppies de Wall Street..A imagem de marca do escritor surge após ter iniciado uma carreira jornalística num jornal de Massachusetts e ter-se tornado correspondente na América Latina do The Washington Post. Foram seis meses na parte de baixo do continente que lhe valeram imediatamente um prémio da Guilda de Jornais de Washington. Estava-se em 1960 e dois anos depois Wolfe transferiu-se para o Herald-Tribune, tendo em 1965 publicado o seu primeiro livro, um conjunto de textos publicados em revistas. A partir desse momento, os seus retratos literários sobre os anos 60 tornaram-se um sucesso de vendas que lançou o registo de Tom Wolfe para sempre..Quando chegou 1968, o autor voltou ao sucesso ao publicar dois romances no mesmo dia: The Pump House Gang, uma continuação dos textos sobre os anos 60, e The Electric Kool-Aid Acid Test, um retrato da vida hippie. Nada comparado com o retrato sobre os Panteras Negras lançado em 1970, Radical Chic & Mau-Mauing The Flak Catchers, um livro tão polémico como o seguinte, de 1975, The Painted World, uma severa crítica à arte contemporânea norte-americana..Fazer as contas aos seus livros é referir casos e best-sellers, um perfil que parecia distante nessa meia dúzia de livros iniciais da roupagem com que iria vestir-se fisicamente. O aspeto de um dandy perfeccionista a que acostumou todos, aquele que se retém à primeira vista e até às últimas fotografias - tinha 40 fatos de três peças no armário -, tem um paralelo com a profundidade de ensaios posteriores. Afinal, Tom Wolfe não era apenas o jornalista e o autor de romances de sucesso, como se percebe na hora da despedida quando foi evocado um dos seus ensaios mais sérios, publicado em 1996 na Forbes ASAP: Desculpem, mas a Sua Alma Acabou de Morrer..Nele confessava o encontro com as novas tecnologias: "Só ouvi falar da revolução digital em fevereiro (1996), quando o cofundador da Wired Magazine, Louis Rossetto, discursou no Instituto Cato e anunciou o início da primeira civilização digital do século XXI." (...) "Algo me diz que em 2006 o universo digital vai ser a normalidade (...)." O mais estranho neste ensaio é que Tom Wolfe referia-se a elaborados temas da neurociência, discutia a antecipação de Nietzsche sobre o novo homem e o fim de Deus, parágrafos que estavam a anos-luz de distância da sua literatura, que tentava fugir da normalização ao nível do romance..Tom Wolfe inaugurara a sua época do romance com o referido A Fogueira das Vaidades, que classificava de "o grande desafio", um entre os poucos títulos traduzidos em Portugal. É com este romance que a aura do escritor desliza para o grande "fotógrafo" da América dos anos 80. Uma receita tão bem-sucedida e a que nunca mais conseguirá fugir, quanto mais não seja porque desde o início da carreira o seu objetivo era fixar o modo de vida americano. Fosse ao captar a cultura popular ou ao não deixar escapar a crença no dinheiro e no self-made man que sobreveio no país após a II Guerra Mundial..Wolfe nasceu a 2 de março de 1930 em Richmond, estado da Virgínia, e era filho de uma paisagista e de um agrónomo. Cresceu no bairro histórico, memórias que deixou registadas. Enquanto estudante foi um talentoso jogador de basebol e editor do jornal escolar. Uma experiência adolescente que lhe terá modelado o início da carreira enquanto jornalista, um profissional que observou as regras da corrente do Novo Jornalismo - sendo considerado um dos seus pioneiros - e ajudou a impô-lo nos EUA ao associá-lo às técnicas literárias, a par de Gay Talese, Truman Capote, Joan Didion ou Hunter S. Thompson..Tal como nos seus personagens, havia um pormenor repetente e falso na sua biografia: o de ter nascido um ano depois. Tom Wolfe morreu devido a uma infeção num hospital de Manhattan.