Kidman e Coppola, as madrinhas do Porto/Post/Doc
Nesta segunda-feira o ecrã do Rivoli será tocado pela soupless estética de Sofia Coppola. A cineasta norte-americana não vai estar fisicamente na abertura do quarto Porto/Post/Doc, já um dos melhores e mais respeitados festivais de cinema em Portugal, mas chega The Beguiled, o seu novo filme, um remake de Ritual de Guerra, de Don Siegel, com Clint Eastwood, estreado há 46 anos. Um acontecimento que ganha maior peso se pensarmos que nunca mais vamos poder ver no cinema este filme. Só poderemos ver The Beguiled mais tarde quando chegar ao circuito dos video-on-demand, fenómeno que tem feitoque não haja espaço para vermos os novos de Ang Lee, David Lowery ou Warren Beatty.
Uma ocasião de ouro neste festival que até 3 de dezembro aposta em filmes que não passam nos circuitos comerciais, como é o caso de Voyage of Time - Life’s Journey, de Terrence Malick, documentário muito aguardado que também não chegará aos grandes ecrãs.
Coppola desta vez filma mulheres com um sentido feminista. Mas é um olhar que também pede alguma distância, uma espécie de suspensão de crença em tom de conto moral de vingança. Se quisermos, é uma forma de dar a volta ao remake, por muito que soe a fórmula de exercício. E fá-lo com um prazer feminino, com uma beleza etérea que roça a perversão. O prazer passa também por filmar atrizes em pose de sensualidade dissimulada. Temos uma Nicole Kidman a fazer jogos para a câmara, uma Elle Fanning a brincar com a ideia de ninfeta e uma Kirsten Dunst com um olhar de perigo. São atrizes que funcionam como madrinhas espirituais de um festival que pede riscos.
Um festival que mudou a paisagem cultural de um Porto da era Rui Moreira, que cedo implantou raízes na cidade, sobretudo na Baixa, onde semanalmente criou sessões denominadas Há Filmes na Baixa, extensão permanente da programação. E o Porto/Post/Doc continua a ter critério na seleção, não faz cedências, sobretudo na competição e aposta na descoberta. Se poderia ter mais cinema português em estreia? Poderia, mas nem todo o cinema português pode ter a tarimba de qualidade para estar numa seleção com padrões internacionais.
Nesta semana intensa no Porto terá o Arquivo como grande tema, incluindo debates, conferências, ciclos e uma reflexão sobre o pós-memória. Dario Oliveira, um dos diretores, além de salientar a importância do crescimento do festival, olha para a importância de um ecletismo demográfico: “Está a crescer na plateia e na escola, temos mais abrangência de filmes para um público alargado e cada vez mais atividades e cinema para os públicos escolares em vários escalões etários do jardim- escola à universidade.”
Mas tal como em anos anteriores, aposta que durante a noite o público do Porto/Post/Doc será composto por jovens adultos, capazes depois de tirar partido das festas do festival. São noites em que há sempre DJ diferentes ao abrigo do programa Transmission.
“O cinema que queremos mostrar e discutir passa indiscutivelmente pelos autores contemporâneos que se afirmam num registo herdeiro do cinema documental e do cinema do real, com total liberdade de integração de outras linguagens artísticas já assimiladas pelos autores e pelos públicos com ficção, experimental, vídeo arte, etc”, diz Dario, aludindo ao facto de cada vez mais festivais do cinema do real não esquecerem a ficção nos seus programas.
Mais do que nunca, o que salta à vista neste programa é a capacidade de o festival saber ter uma organização temática em que todas as obras estão bem agrupadas em secções que se complementam. A divisão é tão meticulosa que é difícil encontrar uma prioridade, mesmo quando olhamos para o potencial da competição internacional. A saber, o Porto/Post/Doc tem a Competição Cinema Novo, projetos feitos por jovens; Arquivo e Pós-Memória, em que cabem filmes que teorizam o peso da memória no cinema; o Cinema Verdade, onde se estende passadeira vermelha à memória de Jean Rouch; os tais highlights, compostos por antestreias mais do que apelativas; Carte Blanche; a Cinefiesta, um foco ao melhor cinema espanhol; Cinema Falado, um género de panorama daquilo que é feito na língua de Camões; Doc is the New Black, em que se repensa a relação do cinema com a moda; School Trip Mini, destinada aos mais novos; e a Transmission, dividida entre filmes que abordam música, festas e concertos.
Neste ano, o festival tem a sensatez de propor um ciclo com dois jovens realizadores com largo currículo nos festivais, Marco Leão e André Santos. A organização também joga todas as cartas no foco ao checo Miroslav Janek, cineasta que pode não atrair multidões mas que tem tudo para ser uma boa surpresa, tal como Peter Mettler Expanded, um programa que deve consagrar este cineasta suíço-canadiano.
Para lá do cinema, como sempre, aposta-se na palavra, sobretudo no Fórum do Real, um seminário com vários painéis em que a discussão incidirá no tema Arquivo e Pós- Memória. O júri da competição internacional tem alguns nomes curiosos, de Ivo M. Ferreira, realizador português, a Raquel Castro, a diretora do festival Lisboa Soa, até Lois Patiño, cineasta galego.