Joana Vasconcelos é o nosso espelho no Guggenheim

É a primeira artista portuguesa a expor individualmente no Museu Guggenheim de Bilbau. <em>I"m your mirror</em> inaugura amanhã
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I"ll be your mirror (Serei o teu espelho): Nico entoou-o naquela que é a canção dos Velvet Underground de que Joana Vasconcelos mais gosta. A artista, a primeira portuguesa a expor individualmente no Museu Guggenheim de Bilbau, afirma-o em mais de 400 espelhos emoldurados a bronze, que formam uma enorme máscara veneziana de 2500 quilos, onde não podemos fugir de nós próprios.

Mas o título da exposição que inaugura amanhã naquele edifício projetado por Frank Gehry é mais imediato: I"m your mirror (Sou o teu espelho). Joana Vasconcelos já lá está, pronta a refletir o seu tempo, no museu que lhe chama "a artista portuguesa mais reputada internacionalmente", e a descreve como uma "alquimista da vida quotidiana", que "transforma objetos quotidianos e clichés da sociedade de consumo em obras de arte repletas de significado".

"Não é uma retrospetiva, não é uma antológica", afirmava a artista, quando abriu o seu ateliê aos jornalistas durante os preparativos, levados a cabo por cerca 60 pessoas que ali trabalhavam para erguer I"m your mirror, uma exposição de 30 obras que percorre o percurso da artista -que já foi professora de karaté e porteira da discoteca Lux - desde 1997 (ano em que inaugurou o Guggenheim) até hoje, com 14 obras inéditas.

Uma delas surge logo no átrio. Egeria, nova peça colossal da sua série Valquírias recebe os visitantes do museu como raízes que o ocuparam naquela que é, segundo o Guggenheim, uma "metáfora à ocupação dos museus por parte das mulheres". E Vasconcelos sabe do que fala. Em 2012 tornou-se na primeira mulher (e a mais jovem artista) a apresentar uma exposição individual no Palácio de Versalhes.

Egeria é "uma homenagem à primeira mulher a escrever um livro das viagens que fez na Europa no século III". A obra começou a ser feita, por módulos, no final do ano passado, e demorou "cerca de dez dias a instalar, tanto como outras dez ou 15 peças". Entre os materiais que a compõem contam-se tecidos portugueses, pedraria, bordados, lantejoulas e luzes LED.

Mas o espelho erguido por Joana Vasconcelos começa ainda antes. E aí começam também as perguntas, como sempre acontece com Vasconcelos, perguntas que vão do material à escala, ao sentido e, claro, à nossa imagem perante as suas obras. No exterior do museu está Solitário, um anel de noivado gigante, de três toneladas, feito com jantes de automóveis de luxo e copos de cristal, pondo em diálogo dois dos símbolos maiores do género feminino e masculino, e o desejo que os pauta.

Também no exterior está Pop Galo, que já esteve no Rio de Janeiro, em Lisboa, na Ribeira das Naus, e em Pequim. É um galo de Barcelos de dez metros de altura revestido por 16 mil azulejos, assinados pela fábrica Viúva Lamego, colaboração antiga da artista, e 16 mil luzes LED.

"A exposição mais importante que fiz"

Quem visitar I"m your mirror reencontrará Cama Valium (1998), Burka (2002) e A Noiva (2001-2005), marco determinante na sua carreira, um lustre feito de milhares de tampões higiénicos apresentado na Bienal de Veneza de 2005, e que Versalhes considerou não ser apropriada para a exposição de 2012.

"É a exposição mais importante que fiz até agora", afirmou a artista, perentória, ao jornal espanhol ABC. "Chega um momento na tua carreira em que tens de refletir o que és, deixar a máscara. Além disso, I"ll be your mirror é a minha canção favorita dos Velvet Underground. Fala da identidade ou, melhor, das identidades, porque, afinal, todos temos muitas realidade dentro de nós."

A artista, de 46 anos, que se considera "uma artista barroca", e se diz mais próxima do surrealismo do que da pop art, mais interessada em Rubens e Velázquez do que em Andy Wharol, como contou na mesma entrevista, mostra ainda obras como Marilyn (2009-2011), o seu conhecido sapato feito com panelas, Lilicoptère (2012), A Todo o Vapor (2012), ou Call Center (2014-2016).

"Através da construção de imagens chocantes, festivas e diretas que se referem a assuntos sociopolíticas próprios das sociedades consumidoras, pós-coloniais e globalizadas, Joana Vasconcelos aborda temas que vão desde a imigração até a violência de género", considera o museu na apresentação da artista portuguesa.

2019 em Portugal

Quando, em fevereiro, Vasconcelos abriu as portas do seu ateliê, acompanhada pelos comissários Petra Joos, conservadora-chefe do museu espanhol que recebe mais de um milhão de visitantes por ano, e Enrique Juncosa, curador, este último afirmava: "Nunca tinha havido uma exposição assim tão grande da Joana, uma artista ainda jovem, mas já com uma carreira de 20 anos. Escolhemos peças muito significativas da trajetória de Joana Vasconcelos e um leque de obras que documenta as várias formas de trabalho."

I"m your mirror virá depois para para Serralves no início de 2019 e, nesse verão, para a Kunsthal de Roterdão. Por agora, Joana Vasconcelos será vizinha das obras de Marc Chagall, com a exposição Chagall. Os anos decisivos, 1911-1919. Com Lusa

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