Cinema, literatura e os seus milhões de dólares

Os filmes baseados em fenómenos do mercado livreiro tornaram-se cada vez mais importantes para a indústria cinematográfica.

Entre a primeira edição do livro de Paula Hawkins, A Rapariga no Comboio, e o lançamento da respetiva adaptação cinematográfica decorreu pouco mais de um ano e meio. É mesmo verdade que vivemos num tempo em que a velocidade constitui um valor essencial - a dinâmica dos mercados mede-se também pela rapidez com que são gerados determinados acontecimentos globais.

Não existe um padrão estável para descrever todos os fenómenos do género. Em todo o caso, se recordarmos alguns dos vencedores mais célebres dos Óscares da Academia de Hollywood, dir-se-ia que A Rapariga no Comboio reduziu para metade o timing de algumas referências clássicas. Pensemos, por exemplo, em três títulos consagrados como melhores filmes do respetivo ano de produção: E Tudo o Vento Levou (1939), de Victor Fleming, O Padrinho (1972), de Francis Ford Coppola, e O Silêncio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme. Pois bem, os romances que os inspiraram (da autoria, respetivamente, de Margaret Mitchell, Mario Puzo e Thomas Harris) surgiram, no mínimo, três anos antes das respetivas adaptações cinematográficas.

Ainda assim, a questão fulcral não estará tanto nas medidas do calendário como nos próprios mecanismos da indústria. Acontece que, para o melhor ou para o pior, as máquinas de produção de filmes e livros foram consolidando formas peculiares de colaboração, com mútuas vantagens financeiras. Há mesmo cada vez mais casos em que as adaptações de determinados romances são negociadas antes do seu aparecimento nas livrarias.

E não deixa de ser irónico que Paula Hawkins se tenha defendido publicamente de algumas acusações de plágio de Gone Girl/Em Parte Incerta, o romance de Gillian Flynn publicado em 2012, dois anos mais tarde transformado em filme por David Fincher. De facto, Hawkins e Flynn partilham um inusitado privilégio: a passagem dos seus livros ao cinema foi estabelecida antes de o público ter acesso à sua escrita.

Um mundo de franchises

A criação de franchises livro-filme define, afinal, uma das vias principais do atual negócio do cinema. Basta lembrar o peso dominante das adaptações de histórias de banda desenhada (em particular das chamadas "novelas gráficas"), fenómeno que transformou impérios da edição como a Marvel (Homem de Ferro, Capitão América, etc.) ou a DC Comics (Batman, Super-Homem, etc.) em forças poderosíssimas no interior de Hollywood.

Isto sem esquecer, claro, as adaptações da chamada literatura para "jovens adultos" cujo mercado global cresceu de forma exponencial. Neste domínio, Harry Potter, de J. K. Rowling, A Saga Twilight, de Stephenie Meyer, e The Hunger Games, de Suzanne Collins, constituem impressionantes fenómenos comerciais. Para termos uma ideia aproximada dos valores que tais franchises movimentam, vale a pena recordar que as receitas globais dos sete filmes de Harry Potter ultrapassam os 4,5 mil milhões de dólares (cerca de quatro mil milhões de euros).

Está por fazer a "sociologia" destes fenómenos, porventura não ignorando um facto que merece ser registado: assim, os livros que estão na base das três franchises referidas (aliás, tal como A Rapariga no Comboio e Em Parte Incerta) foram escritos por mulheres.

Seja como for, para além de qualquer questão de género, não há dúvida de que alguns dos títulos que conseguem mobilizar mais espectadores para as salas representam fenómenos que começaram no espaço específico dos livros. O triunfo do marketing parece óbvio. Resta saber se isso transformou leitores e espectadores. E, sobretudo, como.

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