Até no Inferno do teatro há esperança
"Antes de mim coisa nenhuma foi criada, a não ser o eterno, e eternamente existirei: vós, que entrais, abandonai toda a esperança." É uma das mais famosas passagens de Inferno e está inscrita sobre uma porta à entrada do dito, segundo Dante Alighieri descreve na primeira parte de A Divina Comédia. Mas não é isso que O Bando propõe a quem vá assistir à peça coproduzida com o Teatro Nacional D. Maria II. "Tentamos criar uma memória no espectador, e que essa memória construa um imaginário que o ajude a sobreviver no tempo que corre. Acreditamos que esta fantasia do Dante nos permite perceber que os mesmos problemas se mantêm e que estamos entre duas pulsões: a pulsão da vitimização e a pulsão da autoridade. E entre ambas está a ética, a consciência de cada um. Se obedecêssemos só a essas pulsões seríamos cobras ou bichos talvez um pouco mais evoluídos, mas não éramos capazes de viver em sociedade", analisa o encenador João Brites.
Uma estrutura metálica ocupa grande parte do palco e esta treme quando os atores se deslocam nela. "Dá uma grande fragilidade ao espetáculo e às nossas existências, está tudo periclitante. E também se pressente que estamos num poço e dentro deste poço há esta espiral que nos remete para as conceções que Dante tinha dos círculos." Ao fundo, de dois ecrãs gigantes vê-se um conjunto de imagens que começa na multidão junto do Teatro Nacional e vai aproximando-se do palco, daí para uma cara, num zoom que termina em núcleos celulares.
Responsável pela dramatografia da peça, a par de Rui Francisco, Brites declarou o seu espanto pela forma como a junção das equipas - só em palco estão duas dezenas de atores - decorreu. "Ao olhar para atores tão diversos e com experiências tão distintas pensava que seria mais difícil. É uma lição de esperança e um exercício para a cidadania. A experiência com esta equipa tem sido extraordinária. Passou por Palmela, estivemos a trabalhar com cabras e perus, ao frio, a sensação concreta que vivemos juntos é inesquecível." A companhia teatral tem gizada a estreia do Purgatório, dentro de dois anos, em Coimbra, e do Paraíso, no Porto, em quatro anos. "Não sou nada fatalista. Temos de ter horizonte e estarmos a trabalhar para seis anos é criarmos uma perspetiva, não é esgotarmo-nos nos apoios, é a exigência de termos um horizonte longínquo."
INFERNO
Companhia Teatro O Bando
A partir de hoje e até 4 de junho
Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa
Bilhetes a partir de 5 euros