As versões alternativas dos contos dos Beach House
É um disco que pode enganar: promete-nos lados b e raridades, mas na verdade aquilo que se ouve não são canções de refugo nem apenas curiosidades para colecionadores. Os Beach House, de Victoria Legrand e Alex Scally, fazem do seu sétimo disco de longa duração (agora lançado) uma compilação de todas as canções gravadas que não constavam dos seus seis anteriores discos: juntaram 14.
Novidades, novidades fresquinhas, só duas: Chariot e Baseball Diamond, canções inéditas recuperadas das sessões de gravações dos dois últimos álbuns editados em 2015, Depression Cherry e Thank Your Lucky Stars, então editados com um intervalo de dois meses (uma surpresa que não evitou que a maior parte dos tops desse ano incluísse ambos os trabalhos).
Ao ouvir este B-Sides and Rarities - nome apenas factual pela dificuldade de encontrar hoje em dia alguns destes registos - podemos imaginá-lo como que um terceiro capítulo daqueles álbuns, completando um tríptico final em que as texturas dos Beach House se depuraram por entre as florestas frias de Twin Peaks (ouça-se Chariot e, por entre as sombras, surge-nos Julee Cruise), as sonoridades dos Cocteau Twins ou contos infantis com as suas personagens assustadoras (há sempre um lobo mau ou uma bruxa má que pregam sustos a capuchinhos e frágeis princesas).
Talvez desta amálgama de referências se entenda o sonho em que se entra com a voz de Victoria e as guitarras de Alex, o voo planante que se inicia em cada uma das notas, como as que escutamos em 10 Mile Stereo, numa remistura que tornou mais lentos todos os movimentos desta canção gravada nas sessões de Teen Dream em julho de 2009. Como explicam os próprios, na apresentação do álbum no site da sua editora Sub Pop, desde que usam cassetes, muitas vezes desaceleram a cassete para criar efeitos durante a gravação. "Quando estávamos a fazer isso em 10 Mile Stereo, decidimos que queríamos fazer uma versão alternativa onde toda a canção seria mais lenta." Dito e feito, como se ouve nesta Cough Syrup Remix.
Este tema é recuperado de um dos períodos "mais prolíficos até à data" do duo, o de 2009/2010 - o outro é 2014, que deu origem aos tais dois álbuns de 2015 - e é destes anos que encontramos umas quantas canções nesta compilação, como explicam Victoria e Alex: Baby foi escrita e gravada em outubro de 2009, The Arrangement e White Moon não se adequavam a Teen Dream (2010). Esta versão de White Moon é recuperada da sessão ao vivo do iTunes, tal como Norway, e se a primeira foi remisturada para melhor responder à "estética atual", a segunda estabelece uma ponte bem distinta da versão original.
Já I Do Not Care for the Winter Sun é uma canção escrita numa pausa na digressão do "ano louco" de 2010, ao sentirem-se bastante agradecidos aos fãs "por tudo o que tinha acontecido". O tema foi libertado à borla na internet, sem qualquer masterização. "Agora, foi finalmente remasterizado", explicam os Beach House.
Ao ler as explicações de Victoria e Alex para só agora estas canções surgirem em formato de álbum, percebe-se também melhor o processo criativo da franco-americana de Paris que cresceu em Filadélfia e do americano de Baltimore, cidade de Maryland onde os dois formaram a banda. Wherever You Go, por exemplo, também daquela época, mas "como soava muito à música antiga" dos Beach House, a sua escrita ficou a marinar até 2011, quando já preparavam Bloom. E surgiu originalmente como uma canção escondida neste álbum de 2012. Ou Equal Mind, também gravada nas sessões de Bloom, de que gostam muito mas que acabou de fora por parecer uma canção gémea de Other People. "Tinha exatamente o mesmo tempo", recordam.
Outra canção escondida, no primeiro álbum homónimo da banda (2006), e a mais antiga deste B-Sides and Rarities é Rain in Numbers, gravada em 2005, no verão em que os dois se juntaram como Beach House. "Nós não tínhamos um piano, e pedimos ao nosso amigo se podíamos usar o dele, que estava bastante desafinado. Usámos o microfone que estava no gravador de quatro pistas para gravar o piano e as vozes." E sim, tudo isso se percebe na fantasmagoria desta chuva em números.
Como se percebe a ironia de Victoria e Alex, ao serem confrontados com um tweet de alguém quando se soube da edição deste álbum. "Um disco de lados b? Porque põe cá fora os Beach House um disco de lados b? Os lados a deles são como lados b." Sim, é verdade, concordam os dois. "O nosso objetivo nunca foi fazer música que seja explicitamente comercial. Ao longo dos anos, na forma como trabalhámos nos nossos seis álbuns, não foram as "melhores" músicas ou as mais atraentes que foram escolhidas, mas sim as que melhor se encaixaram para fazer um trabalho coeso." Tal e qual este B-Sides and Rarities.