14 março 2016 às 00h24

A banda dos vampiros Depp, Perry e Cooper

Conhecidos pelas covers que fazem, a banda de Alice Cooper, Joe Perry e Johnny Depp vai estar do Rock in Rio de Lisboa

Ana Rita Guerra

Se algum dia um grupo de pessoas mereceu o título de super banda, é este: Alice Cooper, que criou o "rock de choque" com a banda homónima, Joe Perry, o guitarrista dos Aerosmith, e Johnny Depp, o ator consagrado que regressa ao sonho de ser músico.

Como é que surgiu este projeto?

Alice Cooper (AC) - Todos temos raízes no rock "n roll, fizemo-lo durante 45 anos, o Johnny toca guitarra desde que se lembra. Eu estava na minha banda, ele [Joe Perry] estava na dele, foi muito bom. Mas havia sempre aquela ideia, "Não seria fixe ter o Joe Perry como guitarrista? Ter o Johnny? E se o Duff fosse o baixista? E se conseguíssemos que o Zak Starkey tocasse qualquer coisa? Estamos sempre a pensar nestas combinações, e acontece que agora podíamos fazê-lo. Foi o momento e o sítio certo, e havia uma razão para o fazer. Era para prestar tributo aos nossos amigos alcoólicos que morreram. E no momento em que gravámos isto nenhum de nós bebia; todos passámos pelas guerras do álcool e das drogas e recuperámos, enquanto estes amigos que estamos a homenagear não o fizeram. Eles eram génios no que faziam. Mas também pagaram o preço de serem génios, e muitos deles simplesmente não resistiram ao álcool e drogas, por isso estamos a fazer um tributo. Também é divertido para nós juntarmo-nos e sermos uma banda de bares.

Uma banda de bares?

AC - Sim. Estamos tão habituados a tocar as nossas próprias canções. É divertido tocar uma música dos Rolling Stones, dos Beatles, dos The Kinks, porque foi com elas que crescemos, eram as músicas com que começámos.

Como selecionaram as músicas para o álbum?

Joe Perry (JP) - As canções escolheram-se a elas próprias. Sentámo-nos a ouvi-las, e algumas não entraram no álbum porque sentimos que não funcionavam. Depois de gravarmos tantos álbuns já sabemos o que funciona, qual é a vibração. E voltando ao motivo pelo qual fizemos este álbum, pensámos em fazer algo com covers, e quando o tributo entrou na equação deu-lhe mais força para existir.

AC - Se vamos fazer uma cover do John Lennon, não vai ser da Imagine. O que é que seria perfeito? Cold Turkey. Porque é uma música rock que vai ser brutal em palco. Temos de pensar em quem temos na guitarra. Elimina-se uma série de canções logo à partida. Pensámos numa música do Keith Moon, o que vamos fazer? My Generation, claro.

Uma das duas canções originais é a que presta tributo, Dead Drunk Friends. Como é que apareceu?

AC - Sempre escrevi as letras e dependi destes senhores para comporem grandes melodias.

Johnny Depp (JD) - Uma noite estava a gravar no estúdio e eu não parava de pensar em que som se adequava a estar bêbedo. Estava sozinho e surgiu-me essa melodia. Corri para o engenheiro de som e disse-lhe "grava isto!" para não me esquecer. Assim que tivemos esse som, abriu-se e toda a gente começou [a colaborar]. É como um esqueleto, começa-se a adicionar carne, camada após camada.

Como é a vossa relação em estúdio?

A C - Esta é a coisa fabulosa: acho que não houve uma única discussão. Fizemos tantos álbuns, talvez tenhamos escrito umas mil canções no total, e quando se juntam estas pessoas e estamos a trabalhar numa música os egos são postos de parte. Não há aqui egos. Quando nos metemos em estúdio começamos a tocar e a cantar e o ego aparece, tem de se sentir no álbum, mas quando estamos a escrever ouvimos as ideias dos outros, e dizemos "oh, isso é bom, vamos experimentar." Se não funcionar admitimos isso, mas não há discussões. Essa foi uma das coisas mais incríveis deste projeto.

JD - Aqui todos se complementam. Não houve aquela atitude de ser um pouco mais barulhento que os outros. Toda a gente estimou e teve grande respeito pelos outros. Queremos apenas tocar e gostar de como soamos.

JP - Ninguém aqui precisa de provar nada. Só queremos tornar a música no melhor que pode ser.

Em fevereiro lançaram uma nova edição Deluxe, com mais um original [Bad as I am]. Que tal tem sido a reação?

AC - Sim, essa foi a música que tocámos nos Grammys. Ainda não li uma única crítica negativa, têm sido excelentes. Penso que este é um daqueles álbuns que tem vida própria. Já estamos a trabalhar no próximo e essa é uma das músicas, apenas um gostinho do que o próximo trabalho poderá ser. Gosto do facto de isto não ser estruturado, a forma como trabalhamos.

A vossa performance nos Grammys também foi inovadora.

JP - Quebrámos muitas regras. Eles queriam mesmo que tocássemos. Normalmente tem de ser uma banda que as pessoas conhecem ou que tem uma música nos tops, e por alguma razão conseguimos ultrapassar isso, não sei porquê. Já estive nessa cerimónia algumas vezes e enfrentei esses obstáculos, mas não desta vez.

AC - Acontece que esta é uma canção sobre beber, e o Lemmy morreu devido ao alcoolismo. Fazer um tributo assim ao Lemmy, que era o sal da terra, o epítome da estrela de rock britânica, esta canção parece que foi escrita para ele.

Têm uma tour este ano, e vão ao mesmo tempo trabalhar no próximo álbum?

AC - Sim, é assim que funciona, escreve-se para o próximo álbum quando se está em tour, porque passamos muito tempo em quartos de hotel. Trabalhamos duas horas por noite. No resto do tempo estamos para aí sentados, o que é fazemos? Começamos a trabalhar em músicas novas.

Vai ser então um álbum de originais?

JP - Esperamos que sim, nunca se sabe. Pode ser que alguém diga "oh, temos mesmo de fazer uma cover desta canção!". Não há regras numa banda como esta.

JD - É o bom disto, nenhum de nós chega aqui e diz "como é que escrevemos um hit?". Estes gajos tiveram carreiras com muito sucesso e escreveram clássicos que serão hits para sempre, mas não os escreveram para o serem. A abordagem a este álbum e ao próximo é infinitamente mais pura. Quando o álbum saiu, em setembro, podíamos ter dado todas as entrevistas possíveis, mas escolhemos não o fazer porque isto não é uma campanha, um concurso de popularidade. É apenas música e um brinde aos amigos alcoólicos mortos. Ninguém nos anda aqui a dizer "têm de fazer isto, têm de ter aquilo". É o que nos apetece. É liberdade.

AC - Alguém pode chegar e dizer: temos de fazer uma canção do Bowie. Qual fazemos? Rebel Rebel. Entramos em estúdio e gravamos, para ver o que funciona. É este o relaxamento disto tudo.

Em maio tocam no Rock in Rio Lisboa. Os fãs podem esperar covers ou convidados surpresa?

AC - Depende de quem estiver lá. Nem sabemos quem está no lineup, mas garanto que quem quer que seja nós conhecemos, entre nós conhecemos toda a gente. No último segundo podemos ver alguém e dizer-lhes para subir ao palco e tocar. Tentamos que seja assim, imprevisível.

JD - Alguém vai subir ao palco, tenho a certeza.

Que tipo de pessoas vai aos vossos concertos?

AC - No Rock in Rio Brasil a audiência era muito jovem. Eles respondem ao rock puro, e foi isso que tocámos. Penso que sentiram a energia. Não chegámos lá com a atitude de esperar que gostassem de nós. Entrámos com a atitude de os agarrar pelas gargantas.

JD - É raro. No mundo musical de hoje, é muito raro ouvir uma banda centrada nas guitarras. Guitarras revolucionárias, como estes senhores fizeram no seu tempo. Rock "n roll puro, estridente, baseado em guitarras, tem essa força.

Qual é a música que preferem tocar ao vivo?

JP - Tenho de dizer Train kept a-rollin. Costumávamos tocá-la três vezes por noite. É uma dessas músicas que toda a gente adora. Se andássemos à procura de uma nova banda, um novo baterista, era a primeira canção que se tocava, porque toda a gente conhecia.

AC - É uma música que todos tocávamos nas bandas, inicialmente. Quando estávamos no liceu abríamos os concertos com ela. A Brown Sugar é divertida, porque os [Rolling] Stones são muito sexy. Quando as pessoas ouvem aqueles primeiros acordes ficam doidas.

JD - Para mim, a Billion Dollar Babies. Transformei-me numa criança de cinco anos a dizer "Nãoooooo, temos de tocar a Billion dollar babies, claro que toda a gente a quer ouvir." Quase implorei. É muito gratificante tocar estas músicas, porque estou a tocar com os mestres. Ainda estou à espera que alguém me acorde e diga que estive em coma nos últimos 18 anos e nada disto aconteceu.

Johnny, que tal é tocar com estas lendas do rock?

AC - Mas você sabe que credibilidade ganhámos agora com as nossas filhas?!

JD - É uma honra, quando temos a oportunidade de conhecer os nossos heróis e não nos desapontam, pelo contrário ainda nos inspiram mais porque são talentosos, inteligentes, amáveis e colaborativos, e mais coisas para as quais não tenho vocabulário. Tocar com eles e ter a oportunidade de entrar em palco, escrever músicas com eles, é o sonho que eu tive de abandonar num certo momento da minha vida - por causa do meu outro trabalho - tornado realidade.

JP - Para mim, é estar em palco com um dos meus entertainers favoritos. Não dá para contar a quantidade de vezes que já vi alguns filmes dele. Adoro o seu talento, poder representar dessa maneira. Mas isto é sobre música. Ultrapassámos a parte de sermos fãs uns dos outros e passámos à música. As pessoas perguntam, "o Johnny toca guitarra?" Ora, ele não é apenas um bom guitarrista, ele é um guitarrista fantástico e arrasa-vos quando o ouvirem. É nisso que se baseia a nossa amizade. A música é uma língua tão fantástica.

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