Em maio de 2018, quando o Movimento 5 Estrelas de Luigi Di Maio e a Liga de Matteo Salvini estavam à beira de concretizar o acordo de princípio governamental, o ex-primeiro-ministro e candidato derrotado do Partido Democrático terá dito aos próximos: "Agora é a vez deles e pipocas para todos!" A frase, relatada pelo La Stampa, não caiu bem. Mas a realidade é que até agora o partido de centro-esquerda, em crise, estava remetido a um papel secundário. E a oposição às políticas nacionalistas e de combate à imigração fez-se sobretudo ao nível autárquico, como a recente manifestação contra o racismo em Milão..A página foi virada no sábado quando, por fim, a formação italiana escolheu o novo secretário-geral, através de eleições primárias abertas à população. A grande surpresa foi a taxa de participação: 1,8 milhões de eleitores (cada um contribuiu com dois euros), quando a fasquia estava colocada no milhão de votantes..A vitória de Nicola Zingaretti foi tudo menos uma surpresa. Obteve 66% dos votos, enquanto o secretário provisório Maurizio Martina (que entretanto já havia demitido) obteve 22,5% e Roberto Giachetti, 12,5%. No momento da vitória, o governador do Lácio agradeceu à "Itália que não cede e que quer travar um governo perigoso". E dedicou a vitória a Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que se tem notabilizado na militância pela causa ambiental..Sinónimo de vitória.Zingaretti, nascido em Roma há 53 anos, também começou como ativista aos 17 anos antes de entrar na política partidária. Primeiro no Movimento para a Paz e na associação contra o racismo Nero e non solo. A bisavó morreu em Auschwitz, a avó e a mãe escaparam por pouco dos nazis em 1943. Ingressou no Partido Comunista Italiano em 1982, tendo chegado à liderança da juventude comunista no final dos anos 1980. Mais tarde, já no Partido Democrático de Esquerda, presidiu à organização juvenil da Internacional Socialista (1995-1997)..Europeísta convicto, foi eleito eurodeputado em 2004 pelos Democratas de Esquerda, formação que fez parte da fundação do Partido Democrata em 2007. No ano seguinte foi eleito presidente da província de Roma. Cinco anos depois, a esquerda une-se em seu torno para a eleição como presidente da região do Lácio (que inclui a província de Roma). No ano passado, no mesmo dia em que o Partido Democrático, pela mão de Matteo Renzi, perde com estrondo as eleições legislativas (17,4%), Zingaretti consegue a reeleição no cargo de governador, um feito inaudito na região..Com o resultado alcançado no fim de semana, Zingaretti é um político sinónimo de vitória. Para o interior do partido afirmou que vai "convencer os desiludidos". "A unidade e um novo centro-esquerda mais aberto serão as chaves do nosso renascimento", disse..O oposto de Renzi.Nicola Zingaretti chegou a ser comparado com o líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn, mais pela viragem à esquerda que representa do que outra coisa. O irmão do famoso ator Luca Zingaretti (protagonista da série de TV O Comissário Montalbano) personifica o político moderado e adepto do consenso, mas também sem especial carisma - o contrário de Matteo Renzi, que não temia a rutura, a controvérsia e que deixou uma presidência personalista e afastada das forças sociais. A primeira afirmação da diferença entre um e outro: Zingaretti só vai entrar na sede do partido a 17 de março, dia da assembleia nacional, que irá proclamá-lo oficialmente secretário do partido..Zingaretti tem três dossiês em mãos: a reconstrução do partido, liderar a oposição ao governo e atacar as eleições europeias. As eleições de maio estão no topo das prioridades, até porque será também visto como um plebiscito ao governo. As tensões entre os partidos de Di Maio e de Matteo Salvini têm aumentado. A linha ferroviária de alta velocidade (TAV) Lyon-Turim é o símbolo das divisões no interior do executivo. Os populistas estão contra a construção do túnel de 57,5 quilómetros, ao argumentarem que o custo da infraestrutura (financiada em 40% pela União Europeia) é maior do que o benefício. Já a Liga, que tem um forte apoio entre os empresários do norte do país, está a favor da obra, que está parada no lado italiano desde o verão..Quem também não perdeu tempo a visitar o estaleiro do lado italiano foi Zingaretti. "É erroneamente considerado um problema de Turim, do Piemonte, do norte. Mas todos os italianos pagam o custo da incerteza. A leveza arrogante com que o governo lida com uma questão tão delicada é a imagem de como um país moderno não é governado", considerou. "Seria criminoso imaginar perder centenas de milhões de investimentos e milhares de empregos", disse após se ter reunido com o governador de Piemonte - seu colega de partido -, Sergio Chiamparino..Aliança de esquerda tremida.Carlo Calenda, antigo ministro do Desenvolvimento Económico, liderava a construção de uma lista única europeísta, Siamo Europei. Mas Zingaretti quer tomar as rédeas do tema. O seu plano passa por concorrer com o símbolo do partido e abrir a lista a outras figuras de esquerda..Com as eleições a menos de três meses, é uma luta contra o tempo. Olha com grande interesse para autarcas como o ex-M5E Federico Pizzarotti, autarca de Parma, ou Alessio Pascucci, de Cerveteri, um dos primeiros a solidarizar-se com Mimmo Lucano, o presidente da Câmara de Riace afastado por ter ajudado a imigração. No plano partidário tentou já iniciar o diálogo com os Verdes e com a Più Europa. Os ecologistas cortaram logo as vazas: desejam felicidades a Zingaretti mas vão avançar com lista própria..Reuniu-se com a ex-comissária europeia Emma Bonino, fundadora, em 2017, do partido Più Europa. Ficou decidida nova reunião com a senadora e com o secretário do partido, Benedetto Della Vedova..Esta nova formação está afiliada na Aliança dos Liberais e Democratas da Europa, um grupo político que deverá ganhar mais peso após as eleições. É no grupo liberal que os futuros eleitos pelo partido de Emmanuel Macron se irão sentar. O presidente francês expôs nas páginas de vários jornais europeus, DN incluído, a sua visão para a reforma da UE..Essa visão, defendida de pronto por Matteo Renzi, ainda não foi comentada por Zingaretti. Haverá pontos e inimigos políticos em comum. "Que fique claro que os piores culpados da crise da Europa são Salvini e os seus amigos soberanistas. O soberanismo é uma farsa", afirmou ao site do Partido Democrático..Ainda sobre Salvini mostrou que não vai dar tréguas noutro plano, o da imigração: "Os migrantes são bodes expiatórios, a Liga cavalga o medo. Vamos ganhar quando erradicarmos o medo, que surge da incerteza sobre o futuro."