Zelensky quer Rússia fora do Conselho de Segurança

Presidente ucraniano diz que Moscovo está a transformar "direito de veto no direito a morrer" e defende reforma deste órgão, indicando que a outra opção é dissolvê-lo.
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O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, denunciou no Conselho de Segurança das Nações Unidas as atrocidades cometidas pelas tropas russas em Bucha, alegando que "não há um único crime que eles não cometeram" nesta cidade nos arredores de Kiev. Zelensky comparou as ações das forças de Moscovo às dos terroristas do Estado Islâmico, lembrando que a diferença é que a Rússia tem um assento permanente no Conselho de Segurança. "Estamos a lidar com um país que está a transformar o direito de veto no direito a morrer. Isto mina toda a arquitetura da segurança global. Permite que continuem impunes", disse, exortando este órgão a "agir imediatamente" ou a fechar. Na resposta, o embaixador russo voltou a negar responsabilidades.

Zelensky discursou por videoconferência nas Nações Unidas um dia depois de ter estado no terreno, a ver com os próprios olhos a situação. De acordo com os responsáveis ucranianos, só numa vala comum próximo de uma igreja estima-se que estejam entre 150 a 300 corpos. "O massacre na nossa cidade de Bucha é, infelizmente, apenas um exemplo do que os ocupantes têm estado a fazer no nosso território nos últimos 41 dias", afirmou o presidente, alegando que o objetivo da Rússia é transformar os ucranianos em "escravos silenciosos".

O presidente ucraniano defendeu que são precisas decisões da parte do Conselho de Segurança. "Se não sabem como tomar estas decisões, podem fazer duas coisas", referiu, dizendo que o primeiro passo é excluir a Rússia por ter sido o agressor e responsável por iniciar a guerra "para que não bloqueie as decisões relacionadas com a sua própria agressão". A segunda opção é reformar e mudar o Conselho. "Se não houver alternativa, ou opção, o próximo passo seria a sua dissolução por completo", indicou.

Antes de Zelensky, o próprio secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, tinha apelado ao fim imediato da guerra, que considerou "um dos maiores desafios de sempre à ordem internacional". O ex-primeiro-ministro português defendeu "negociações de paz sérias, baseadas nos princípios da Carta das Nações Unidas", indicando que "jamais" esquecerá as "imagens horríveis" dos civis mortos em Bucha. Falando em possíveis crimes de guerra, Guterres revelou ter pedido uma investigação independente para garantir uma efetiva responsabilização.

O embaixador russo nas Nações Unidas, Vassily Nebenzia, rejeitou as acusações de que as forças de Moscovo tenham cometido atrocidades, alegando não haver provas de testemunhas. Na véspera, já tinha afirmado numa conferência de imprensa que "nem um único residente de Bucha sofreu qualquer violência às mãos dos russos", classificando como uma "encenação" as imagens de cadáveres nas ruas da cidade e nas valas comuns.

Moscovo tem alegado que ou as imagens são falsas ou as mortes são da responsabilidade dos ucranianos que entraram depois da saída das forças russas da cidade. Contudo, imagens satélites mostram os corpos espalhados naqueles locais há semanas. Dirigindo-se aos outros membros do Conselho de Segurança, reiterou: "Vocês só viram o que eles vos mostraram. Não podem ignorar as inconsistências flagrantes na versão dos eventos que está a ser promovida pelos media ucranianos e ocidentais."

Nebenzia também rejeitou as acusações de que a Rússia está a proceder a deportações em massa. O embaixador russo indicou que já foram transferidas mais de 600 mil pessoas para a Rússia, incluindo mais de 119 mil crianças, e que estas foram voluntariamente, não houve "coerção ou rapto", como Kiev tem alegado existir.

Em Moscovo, o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, alegou que a descoberta de corpos na cidade de Bucha era uma "provocação" destinada a desestabilizar as negociações entre os dois países. "Uma questão coloca-se: para que serve esta provocação descaradamente falsa? Somos levados a acreditar que é encontrar um pretexto para torpedear as negociações em curso", acrescentou. O diálogo entre Moscovo e Kiev aparentemente tem continuado, apesar dos últimos desenvolvimentos, com Zelensky a admitir que era difícil depois do que aconteceu em Bucha. Lavrov diz que a Rússia está preparada para continuar o diálogo.

Depois da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, ter estado em Kiev, esta semana será a vez de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do chefe da diplomacia europeu, Josep Borrell, viajarem até à capital ucraniana, para se reunirem com Zelensky. A ideia é o encontro ocorrer antes do evento de doadores Stand Up For Ukraine, no sábado, em Varsóvia, e o anúncio surge numa altura em que Bruxelas prepara mais sanções à Rússia.

As novas sanções incluem a proibição de importação de carvão russo, que vale à Rússia quatro mil milhões de euros por ano, mas voltam a deixar de lado o gás natural, que é uma muito maior fonte de rendimentos para Moscovo - cerca de 600 milhões de euros por dia. Além disso, as sanções passam pela expulsão de mais quatro bancos russos do mercado financeiro europeu e pela proibição de os navios russos entrarem nos portos da União Europeia (havendo exceções, incluindo para o setor energético). Há ainda proibição de exportação para a Rússia de materiais e componentes industriais, como semicondutores avançados. E dezenas de nomes são acrescentados à lista de sanções.

Por seu lado, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que Moscovo vai "monitorizar" cuidadosamente as exportações de alimentos para as nações "hostis". Num encontro referente a temas agrícolas, Putin deixou claro: "Contra o cenário de escassez global de alimentos, este ano teremos que ser prudentes com abastecimentos no exterior e monitorizar cuidadosamente as exportações para países que nos são claramente hostis." O presidente russo garante que as necessidades alimentares russas estão "totalmente" cobertas pela produção doméstica.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, repetiu esta terça-feira uma ideia que tem sido passada nos últimos dias: a Rússia prepara uma grande ofensiva "concentrada" na região do Donbass. "Vemos agora um movimento significativo de tropas russas para fora de Kiev para reagrupar, rearmar e reabastecer e mudar o seu foco para o leste", disse aos jornalistas na véspera da reunião dos chefes da diplomacia da NATO em Bruxelas para discutir mais apoio financeiro, militar e humanitário à Ucrânia.

"Nas próximas semanas, esperamos uma nova investida russa no leste e no sul da Ucrânia para tentar conquistar a totalidade do Donbass e criar uma ponte terrestre para a Crimeia ocupada", acrescentou Stoltenberg. A própria Rússia já anunciou que a primeira fase da sua "operação militar especial" tinha acabado e que pretendia agora concentrar-se na libertação da região de Donbass. Para alcançar o objetivo de criar essa ponte terrestre, Moscovo precisa de Mariupol. Uma das localidades mais atingidas pelos bombardeamentos russos, a cidade portuária nunca caiu oficialmente sob controlo russo.

O porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, Igor Konashenkov, anunciou o início da ofensiva final na região, após terminar o prazo importo para as forças ucranianas deporem as armas e saírem. "Informamos repetidamente Kiev, através de todos os canais disponíveis de comunicação, de propostas sobre a possibilidade de retirada de Mariupol das unidades das Forças Armadas ucranianas e deposição das suas armas", indicou, alegando essa proposta foi rejeitada.

"Levando em consideração a falta de interesse de Kiev em preservar a vida dos seus soldados, Mariupol será libertada das unidades nacionalistas pelas Forças Armadas russas e pela República Popular de Donetsk", acrescentou Konashenkov. O mesmo porta-voz indicou que dois helicópteros Mi-8 ucranianos foram abatidos quando tentavam entrar em Mariupol para retirar da cidade os líderes do Batalhão de Azov.

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