XIV - A conquista do Castelo de Lisboa e os ecos da primeira revolução portuguesa 

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Quando Nuno Álvares Pereira tomou a decisão de rumar a Lisboa, para apoiar o Mestre de Avis, a rainha D. Leonor ainda se encontrava em Alenquer. Percorridas três léguas, depara-se com a primeira desilusão. O seu irmão, Diego Álvares, que se comprometera a acompanhá-lo, arrepende-se da sua decisão e junta-se ao irmão Pedro Álvares Pereira, partidário da rainha.

Consciente da grandeza das dificuldades que teria de enfrentar, para não ter outras surpresas desagradáveis, tomando uma atitude democrática, reuniu os seus homens e disse que lhes dava a liberdade de escolha entre acompanhá-lo a Lisboa, ou deixá-lo, porque a causa que desejava abraçar, da defesa dos reinos, encabeçada pelo Mestre de Avis contra o rei de Castela, era extremamente perigosa, sendo a morte quase certa e a salvação unicamente dependente da vontade divina.

Tendo-se os seus companheiros prontificado a combater por ele, e até a morrer em seu serviço, estando em Alverca e havendo sido informado de que a rainha desejava mandar prendê-lo, deu ordens para ninguém se render, caso fossem atacados.

Tendo sido a rainha demovida das suas intenções, graças às sugestivas eventualidades abonatórias a seu favor de seus amigos, no dia seguinte, chega a Lisboa e, dois dias depois, oferece os seus serviços ao Mestre, sendo nomeado seu conselheiro favorito a ponto de nada fazer sem lhe dar conhecimento.

Iria Gonçalves do Carvalhal, quando soube da decisão do filho, veio expressamente a Lisboa para tentar dissuadi-lo e fazê-lo mudar de ideias, mas perante a argumentação e firmeza de Nuno Álvares, não só patrocinou a sua decisão como lhe pediu para nunca abandonar o Mestre, enviando-lhe, em ajuda, o seu irmão Fernão Pereira, acompanhado de seus homens.

Mesmo depois de D. João, Mestre de Avis, ter sido eleito Regedor e Defensor dos Reinos de Portugal e do Algarve, e ter começado a receber alguns apoios, as dúvidas e incertezas continuavam presentes nas suas reflexões porque, se havia conselheiros que o aconselhavam a não enfrentar o rei de Castela, a partir para Inglaterra e regressar com apoio militar inglês, outros eram favoráveis à sua permanência na cidade de Lisboa, designadamente, Nuno Álvares, Rui Pereira, Álvaro Vasques de Góis, o doutor João das Regras, Álvaro Pais e o doutor Martim Afonso.

O Mestre, depois de muito ponderar, convoca todos os conselheiros e informa-os de que havia decidido, definitivamente, ficar em Portugal por comungar das ideias daqueles conselheiros, segundo os quais, para a defesa da terra, era melhor morrer honradamente do que cair na servidão dos inimigos.

A previdente rainha D. Leonor, ciente da importância estratégica do Castelo de Lisboa para concretizar os seus intentos de dominar a rebelião, a fim de se precaver contra quaisquer imprevistos, pediu ao conde D. João Afonso Telo, seu irmão e Alcaide daquele castelo, que ordenasse aos seus vassalos, residentes na capital, que entrassem no castelo, acompanhados de seus escudeiros.

O conde transmitiu essas instruções a Afonso Anes Nogueira, que se deslocou de Alenquer a Lisboa e, ao falar com Estêvão Vasques Filipe, Afonso Furtado, Antão Vasques e outros importantes partidários da rainha, ficou surpreendido por haver constatado que eles, entretanto, tinham mudado de opinião e de partido, estando agora pelo Mestre. Contudo, em cumprimento das ordens recebidas, lançou-se no castelo, pela porta de traição, com dez ou 12 escudeiros, provocando grande alvoroço na cidade.

Embora enfurecidos com esse comportamento inopinado, os exaltados lisboetas deram a oportunidade a Martim Afonso Valente, vassalo do conde D. João Afonso Telo e, em seu nome, Alcaide do Castelo, a render-se. Mostrando-se intransigente na recusa, alegando ter feito menagem, o Mestre mandou construir a gata (artifício de madeira), tal como havia sugerido frei João da Barroca. Os populares, por sua vez, ameaçaram os defensores dizendo-lhes que colocariam todos os seus familiares em cima da gata.

Assustados com essa ameaça, os defensores disseram ao Alcaide que não se importavam de defender o castelo combatendo no exterior, mas não a partir do interior porque assim, sem querer, poderiam matar as suas mulheres e filhos.

Porém, antes que fosse concluída a construção da gata, com prévia autorização do Mestre, Nuno Álvares dialogou com o Alcaide e com Afonso Anes Nogueira, fazendo-lhes ver que, a bem da cidade e do reino, por serem verdadeiros portugueses como eram, deviam render-se. Como Martim Afonso Valente admitiu fazê-lo, caso não fosse reforçado depois de dar conhecimento à rainha, Nuno Álvares impôs como condição para a rendição do castelo, sem combate, o prazo de 40 horas para o recebimento do solicitado auxílio.

Sendo o tempo demasiadamente escasso, daí não ter chegado a previsível ajuda pedida, o castelo foi entregue ao Mestre. Os defensores tomam o seu partido e servem-no com lealdade, tal como se comprova pelas doações recebidas.

Assim, a partir de 30 de Dezembro de 1383, a cidade de Lisboa e o seu castelo libertam-se completamente do poder legítimo e decidem o seu futuro pelo poder revolucionário.

Conhecedor da posição estratégica de Almada e sendo presumível o cerco terrestre e marítimo castelhano à cidade de Lisboa, aconselhado pelos seus conselheiros, o Mestre de Avis dirigiu-se àquela vila em 1 de Janeiro de 1384. Os seus habitantes receberam-no muito bem, tomaram o seu partido e prontificaram-se a servi-lo.

Perante essas e outras contrariedades, a rainha D. Leonor foi obrigada a conter os seus projectos e a aguardar uma ajuda exterior, cujos riscos eram, obviamente, conhecidos e, podemos calcular, só em último caso quereria aproveitar.

Efectivamente, que a rainha andava receosa e era incapaz de pôr termo à insurreição, com as forças portuguesas disponíveis, comprova-se pelo reenvio de cartas ao Concelho de Beja, pedindo-lhe que tomasse sua voz, aconselhando a receber, sem receio, o rei de Castela, se porventura por aí entrasse, garantindo que ele lhes faria mercês e os defenderia contra quem quer que fosse.

A esse propósito, Gonçalves Vasques de Melo, Alcaide do castelo e partidário da rainha, convocou todos os bejenses para analisar as cartas da rainha. Enquanto os mais honrados estavam reunidos, o povo aguardou os resultados no exterior.

A certa altura, perdendo a paciência com a demora, quando Gonçalo Ovelheiro desafiou os presentes a procurarem saber de que novidades se tratava. Gonçalo Nunes de Alvelos, que não era dos grandes, nem dos pequenos, pedindo a ajuda de Vasco Rodrigues Carvalhal, acompanhado de 30 homens, dirige-se aos mais honrados e indaga sobre o seu conteúdo.

Após acesa e dura troca de argumentos entram nos Paços do Concelho e, depois de lerem as cartas, pedem a um tabelião que as lesse aos do exterior e ele, em vez de as ler resumiu-as fazendo-lhes a pergunta:

- Querem estar com a rainha ou com o Mestre?

Quando o povo respondeu em uníssono pelo Mestre, os maiorais abandonaram a reunião, não tardando muito a fazer-se sentir os preparativos do castelo para a defesa.

Com gritos de alçar o castelo, dirigidos por Gonçalo Nunes de Alvelos e Vasco Rodrigues, após renhido e rápido combate, o castelo é conquistado.

Mas os bejenses não se contentaram apenas com a conquista do castelo. Desenvolveram acções que impediram os seus vizinhos muito distantes de tomarem o partido da rainha.

Informados de que o almirante Lançarote se encontrava em Colos, com ordens da rainha para seguir até Odemira e tomar voz por ela, Gonçalo Nunes de Alvelos, com 150 homens armados, fazendo marcha forçada durante toda a noite, consegue prender o almirante quando estava prestes a partir para o seu destino, carregado de haveres. Aprisionado na Torre de Menagem, apesar de ter pedido para ser entregue ao Mestre e não ser morto, sofreu desonrada morte.

Se os planos que deviam estar reservados a Odemira pela rainha D. Leonor não fossem atalhados, aquela vila transformar-se-ia no seu único baluarte em todo o sudoeste do território português. Odemira não só seria um ponto de apoio importante para as suas forças como, a prática posterior irá evidenciá-lo, lançaria operações de saque contra os seus vizinhos, podendo vir a criar problemas à posição estratégica de Setúbal, daí a relevância da acção.

Se os citados três protagonistas foram beneficiados pelo Mestre, não se pense que Beja foi sempre um seguro e incondicional baluarte do Mestre, porque antes de 13 de Junho de 1384, Estêvão Vasques, fez parte do conselho daqueles que pretendiam entregar aquela vila ao rei de Castela.

Tal como em Beja, também em Évora, Álvaro Mendes de Vasconcelos, Alcaide-mor da cidade, desejando manter-se fiel à rainha, convoca os mercadores, juiz, alcaide pequeno, escrivão e outros honrados do lugar e convence-os a entrarem no castelo para o ajudarem a defendê-lo.

Tendo os citadinos tomado conhecimento da iniciativa, Diego Lopes Lobo, Fernão Gonçalves de Arca e João Fernandes, seu filho, em conjunto com o povo, conquistam o castelo, em 2 de Janeiro de 1384.

No Alentejo dividido, o Alcaide vencido segue para Portel, onde estava Fernão Gonçalves de Sousa, outros vão a Olivença para Pero Rodrigues da Fonseca, e ainda outros para Campo Maior, onde se encontrava Paio Rodrigues, por saberem que eles já tinham tomado voz pelo rei de Castela.

No seguimento dessas acções, Portalegre é posto fora de combate em menos de meio-dia e Estremoz segue o mesmo caminho.

Qual será a razão da rapidez da conquista dos castelos?

Historiador
O autor escreve de acordo ​​​​​​​com a antiga ortografia.

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