Xi Jinping no espelho de Macau
Macau é uma cidade que se cruzou na vida de Xi Jinping por várias vezes e de diversas formas. Quando aterrou no Aeroporto Internacional de Macau na quarta-feira, o presidente da República Popular da China recordou que visitara pela primeira vez a cidade em junho de 2000 - seis meses após a transferência de administração de Portugal para a China - na altura como governador de Fujian, a província continental geograficamente mais próxima de Taiwan. No entanto, existe uma ligação indireta anterior ao antigo território administrado por Portugal, em virtude do papel desempenhado pelo pai de Xi Jinping. Xi Zhongxun liderou o Partido Comunista da China na província de Guangdong - vizinha de Macau - entre 1978 e 1981, na altura em que Deng Xiaoping iniciava o processo de reformas e abertura, que teve nesta província do Sul da China o principal dínamo. Xi Zhongxun implementou o ambicioso plano de criação das zonas económicas especiais de Shenzhen (junto a Hong Kong) e Zhuhai (adjacente a Macau), que de pequenas vilas piscatórias se transformaram em metrópoles abertas ao investimento estrangeiro e à economia de mercado.
Quando Xi Jinping assumiu a chefia nacional do PCC em 2012, havia a expectativa entre analistas que seguisse os passos do pai como impulsionador de reformas. Todavia, a liderança de Xi ao longo destes sete anos desiludiu a linha reformista dentro do partido, face a um foco mais intenso na centralização de poder e no reforço do papel do PCC no Estado, na sociedade e na economia, ao mesmo tempo que a China se foi assumindo como uma potência capaz de rivalizar com os Estados Unidos em vários setores.
Tal como sucedeu com a anterior visita como chefe de Estado a Macau - em 2014 -, a situação em Hong Kong paira sobre a vinda de Xi àquela que foi conhecida como a Cidade do Nome de Deus ao longo dos mais de quatro séculos de administração portuguesa. Desta vez a antiga colónia britânica vive a mais profunda crise desde a transferência de 1997. E as palavras do presidente da RPC em Macau são lidas sempre sob o prisma da mensagem a ser ouvida em Hong Kong.
Nestes primeiros dois dias da visita, os elogios têm sido permanentes. À chegada falou de orgulho pelos resultados alcançados desde 1999 e da forma séria como o governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) executou a política Um País, Dois Sistemas. Xi destacou as áreas de segurança nacional, manutenção da estabilidade social, desenvolvimento económico, melhoria das condições de vida da população e promoção dos laços com a China continental. Em todas estas áreas o desempenho de Hong Kong deixou a desejar face às expectativas de Pequim. Contrariamente a Macau, a "pérola financeira" do outro lado do delta do rio das Pérolas não avançou com a legislação do Artigo 23.º da lei básica referente à defesa da segurança do Estado, vive meses de grande instabilidade social e de protestos contra os governos local e central, as desigualdades sociais são mais acentuadas e falhou o plano de introdução da educação patriótica nas escolas.
Ou seja, o secretário-geral do PCC sente-se em casa e procura elevar o "bom aluno", em comparação com o "mau aluno" - Hong Kong. As políticas que se espera que sejam anunciadas nesta sexta-feira, por altura da tomada de posse do novo chefe do executivo de Macau, Ho Iat Seng, serão vistas também como uma mensagem para Hong Kong. A criação de uma bolsa de valores denominada em renminbi é a medida mais aguardada, a par de outros serviços financeiros que auxiliem no processo de diversificação de uma economia grandemente dependente da indústria do jogo. Mais de 80% das receitas públicas do governo advêm de impostos sobre os casinos.
Se, por um lado, as autoridades centrais têm referido repetidamente que Macau é o exemplo que Hong Kong deve seguir na implementação da política Um País, Dois Sistemas, essa ideia é recusada por vários grupos políticos e sociais em Hong Kong que salientam as diferenças substanciais históricas, sociológicas e políticas entre as duas cidades. Os casos de jornalistas de órgãos de comunicação social de Hong Kong que viram recusada a entrada em Macau nos últimos dias acentuou a aversão das forças do campo pró-democracia ao modelo de Macau, que veem como exercício limitado do alto grau de autonomia e de direitos liberdades e garantias.
Nas últimas semanas ganhou proeminência nos discursos e comentários oficiais a expressão "Um Princípio, Dois Sistemas com características de Macau", um conceito que destaca a forma diferenciada como a fórmula é aplicada nas duas cidades. Duas décadas depois, as duas RAE seguem caminhos divergentes na implementação do princípio gizado por Deng Xiaoping não apenas para resolver as questões legadas pela história colonial das duas cidades, mas também para atrair Taiwan para um processo de reunificação. No entanto, a crise em Hong Kong contribuiu para uma redução do apoio - que já era claramente minoritário - da população da Formosa à fórmula aplicada em Macau e Hong Kong.
Quem deverá beneficiar politicamente disso é a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista - principal força política favorável à independência formal de Taiwan - que, segundo todas as sondagens, deverá ganhar facilmente a eleição presidencial marcada para o próximo mês. Entre a "guerra comercial" com Washington - agora um pouco aliviada -, a crise em Hong Kong e a esperada vitória de Tsai em Taiwan, Macau é elevada por Xi Jinping como uma história de sucesso. Acaba por ser para o líder da China um espelho, fazendo jus a um dos nomes antigos de Macau em chinês: hao jing (濠鏡), literalmente, espelho de ostra.